A ideia de ser funciona primariamente em três contextos: ser e não ser, contraste entre o existente e o inexistente ou irreal; ser e semelhança, contraste entre o real e aquilo que se supõe, que é imaginário ou visionário; ser e devir, com a visão do agora e de um futuro projeto, isto é, do ser adiante de si. Neste terceiro contexto, a questão é o devir do que não é ainda, e esta transição pode ser absoluta por intermédio do não ser elevado a ser, ou pelo inverso, por meio da aniquilação, do ser em não ser; e pode ser uma questão relativa, em que há um intercalar entre os dois estados.
No que respeita ao par ser/devir, os filósofos gregos revelaram a sua perplexidade perante a seguinte aporia clássica, levada subsequentemente ao absurdo nos famosos paradoxos de Zenão:
- O devir absoluto implica a transição do não-ser em ser;
- O devir absoluto ocorre agora ou em algum momento, pelo que os objetos que existem no tempo presente não existiram num tempo decorrido;
- O devir pressupõe o ser, pois só aquilo que é pode experienciar a transição que ocorre com o devir.
Mas se existe um sujeito x que é a partir de um dado momento (2), então como é que esse mesmo sujeito pode ter tido um estado precedente à existência (3)? E não será isto contrário à estipulação do devir absoluto (1)? Diferentes filósofos tentaram resolver o problema: Heraclito rejeitou (3), mantendo que tudo é um perpétuo devir; os Eleáticos rejeitaram (2), negando o devir e insistindo que o ser apresenta uma natureza imutável; Demócrito recusou (1), pois o devir absoluto é simplesmente um rearranjo de unidades pré-existentes, que são os átomos. Platão, em “conjunto” com os Eleáticos, viu o real como imutável, teoria exposta na doutrina das ideias; em “conjunto” com Heraclito, aceitou o mundo sensorial como mutável e pervertido pela ilusão. Como o conhecimento genuíno está confinado a um campo que transcende a experiência humana, onde residem as formas platónicas, somente a opinião sobre o mundo mutável é possível, pelo que o conhecimento autêntico do mundo material é impossível. Posteriormente, Martin Heidegger, ao longo de um percurso intelectual que abordou a tradição filosófica que sucedeu ao platonismo e que relegou o Ser, erigiu uma crítica contra essa mesma tradição por ter negligenciado o Ser em prol de problemas especulativos e abstratos. De acordo com Heidegger, os filósofos cingiram-se a uma preocupação puramente teórica com o facto de as coisas se terem tornado no que são, que acabaram por desprezar a experiência imediata no mundo que é a presença humana. Esta crítica prende-se essencialmente com o desvio da filosofia, que inicialmente se consolidou nos planaltos do sentir, para depois se resignar ao pensar: se inicialmente era uma expressão artística, culminou na ciência.
References:
- Gigon, Olof (1985 [1968]), Los Orígenes de la Filosofía Grieca: De Hesíodo a Parménides, Madrid, Editorial Gredos.