Henry Nelson Goodman (1906-98) foi um filósofo americano, conhecido sobretudo por defender a inexistência de uma solução indiscutível para o problema do uno e do múltiplo, pois no seu entendimento, este era um problema construído.
Vejamos o que pressupõe a visão de Nelson Goodman: os membros de qualquer conjunto ou coleção são semelhantes quanto a certas dimensões, mas diferentes em determinados aspetos; assim sendo, somente o exame é insuficiente para desvendar se dois objetos apresentados são o mesmo objeto ou dois objetos do mesmo género. Para clarificarmos este dilema, devemos demarcar as espécies de objetos, e são os sistemas de categorias que fornecem o critério para a demarcação necessária: mas tais sistemas são artifícios humanos, e é o humano que decide esboçar as linhas delimitantes entre o que pertence ou não a um mesmo género.
Consequentemente, essas linhas poderão ser desenhavas com recurso a uma grande variedade de lugares, o que conduz à constituição de sistemas divergentes, apesar de igualmente efetivos. Por exemplo, consideremos o jornal The Boston Herald (versão posterior) o mesmo jornal que o The Herald American, ao passo que outra pessoa pode considerar o primeiro o sucessor do segundo. Ou, consideremos um isótopo como detendo um mesmo elemento nuclídeo: nada impede outro indivíduo de observar dois elementos. Cada versão acaba por estar certa por ser relativa a um sistema ou visão do mundo diferente, que só se revela errada perante a visão rival: nenhuma versão está absolutamente certa ou errada.
Sendo todas as visões do mundo reduzidas a uma base única, as diferenças revelar-se-ão ontologicamente insignificantes. Contudo, não é este o programa que Nelson Goodman defende, uma vez que segundo o próprio, podemos construir uma enorme variedade de visões do mundo, que na sua diferença são irredutíveis, sem termos uma base para escolhermos um desses tantos mundos. Por exemplo, uma versão do mundo que assenta na crença de que a terra é um planeta parado, chocará com a crença de que a terra é um planeta rotativo: uma visão do mundo que contém a terra de acordo com um prisma específico, não terá espaço para uma conceção diferente do planeta.
Para os realistas, no limite, uma das versões será a correta: se visões do mundo antitéticas satisfazem os nossos critérios de aceitabilidade, esses mesmos critérios não são suficientemente rigorosos. A dificuldade reside na debilidade de um critério de verdade sólido, pelo que assim, cada versão verbal sobre o planeta terra gera a sua verdade: a terra parada é verdadeira numa versão do mundo, e falsa noutra versão sobre o mundo.
E não ajuda evocar o desiderato científico no apoio à revelação da “verdade verdadeira”, uma vez que, segundo Nelson Goodman, a ciência não detém o monopólio da verdade, posto que também a arte é importante na produção de visões do mundo. A constituição de mundo é relativa à versão que o define, e essa versão é uma construção humana. Ainda assim, não podemos criar uma versão ditada pelo puro agrado e oportunismo: a construção de um mundo, como diz Goodman, é sujeita a restrições rigorosas, à consistência, à coerência, sensibilidade à prática etc. Por outras palavras, o relativismo de Goodman não é um relativismo radical.
Uma restrição controversa que Goodman impõe às suas próprias construções é o nominalismo. O mundo que adereça consiste inteiramente em indivíduos. Isto não significa que Goodman evite entidades abstratas, pois os qualia e outras entidades abstratas podem ser construídas como entidades individuais. O problema não diz respeito aos constituintes básicos, mas ao que se pode construir a partir destes. Por conseguinte, uma versão do mundo é nominalista no sentido de Goodman, se, e apenas se, duas coisas não puderem ser compostas exatamente pelo mesmo elemento básico.
References:
Goodman, Nelson (1978), Ways of Worldmarking, Indianapolis, IN: Hacket.
Goodman, Nelson (1977 [1951]), The Structure of Appearance, Dordrecht, Reidel.
