Gödel era conhecido por dois compromissos: advogar o realismo, nomeadamente a crença de que a matemática é uma ciência descritiva analogamente ao modo como as ciências empíricas são; do mesmo modo, defendia o racionalismo filosófico ao estilo de Leibniz. Não é de estranhar que as suas influências filosóficas tenham sido Leibniz, Kant e Husserl.
Os Dois Teoremas da Incompletude
O primeiro teorema, reforçado em 1936 por Rosser, defende que em qualquer teoria axiomática consistente na qual a função recursiva é representável, há uma proposição na linguagem dessa teoria cuja negação não formula um teorema referente à própria teoria. Interpreta-se comummente este teorema nos seguintes moldes: uma verdade matemática é incapaz de ser totalmente sistematizada num axioma que pertença a uma teoria formal unívoca e consistente; por outras palavras, a verdade excede a justificação. Por um lado, este teorema foi considerado como um contra-argumento face ao formalismo na filosofia da matemática, e por outro lado, como aderindo à tese platónica de que existem objetos abstratos, não mentais e imateriais (como números ou conjuntos), perante os quais os teoremas da matemática pura respondem pela sua verdade.
O segundo teorema da incompletude de Gödel argumenta que, para qualquer teoria de cariz semelhante à teoria exposta no primeiro teorema, uma proposição na linguagem teórica que formalize a asserção de que a teoria é consistente, não é teoricamente demonstrável. Era sabido entre os filósofos que Gödel era um platonista, e que uma vez sugeriu que posto que não podemos refutar contradições, que o que é intuitivamente demonstrável é verdade, e que o que é verdadeiramente provável é intuitivamente provável, para lançar a mensagem que o segundo teorema da incompletude consiste na impossibilidade de formalizar totalmente a probabilidade intuitiva. Assim sendo, a verdade matemática também ultrapassa a prova intuitiva.
Relacionando a epistemologia platónica com conjuntos numéricos, Gödel defendeu audaciosamente que temos algo como uma perceção dos objetos de um conjunto teórico, o que é visto à luz do facto dos axiomas forçarem em nós a sua verdade, apesar de esses objetos permanecerem recônditos. A esta faculdade Gödel chamou intuição matemática, e declarou que não havia necessidade de se traduzir em termos de um conhecimento imediato de objetos matemáticos, tal como para um kantiano a sensação não tem que fornecer o acesso imediato ao conhecimento dos objetos físicos. Mas tem sido argumentado persuasivamente que a perceção resulta de uma causa natural. Imaginemos que pensamos a causação como um fluxo de energia, ou como informação estruturada em parcelas de energia, e a perceção como a absorção dessa informação derivada de objetos de acordo com uma forma estruturada. Assim temos uma forma de compreender o porquê de a perceção justificar crenças relativas a determinados objetos.
Contudo, Gödel não fornece uma única pista sobre a possibilidade de uma intuição matemática disponibilizar um conjunto ou números (que sendo abstratos, e contrariamente aos objetos geométricos, sem localização, são absolutamente inertes). Assim, se levarmos as intuições matemáticas a sério, talvez tenhamos de abandonar o reducionismo naturalista, a convicção de que a causação é, como queria David Hume, o cimento do universo. Mas não existe consenso quanto a este debate.
References:
Solomon Feferman, Charles Parsons & Stephen G. Simpson (2010), Kurt Gödel: Essays for his Centennial, Cambridge, Cambridge University Press.