O conceito de genealogia adquiriu proeminência sociológica graças aos escritos de Friedrich Nietzsche, mas a sua consolidação deu-se no pós-estruturalismo – episódio na tradição da teoria social francesa datado nos finais do século XX -, nomeadamente a partir das obras de Michel Foucault, que inovou a metodologia genealógica.
Curiosamente, a Genealogia da Moral saiu em 1887, entre a publicação de outras duas obras famosas: vinte anos depois do primeiro volume de Marx O Capital (1867) e um pouco antes da Interpretação dos Sonhos de Freud (1899). Tanto Marx como Freud declararam, cada um a seu modo, terem aperfeiçoado um método crítico que denunciaria as origens ocultas dos comportamentos sociais aparentes. Porém, os dois permaneceram fiéis ao ideal iluminista de se teorizar sobre o bem e o mal por referência a um princípio quase transcendente. Uma exceção foi Max Weber, cujas análises das contradições morais da sociedade moderna devem muito à influência de Nietzsche. Não obstante, o método hermenêutico de Weber representou ainda outra tentativa de se estudarem fenómenos sociais por referência a poderes invisíveis. Em contraste com o método genealógico de Nietzsche, a sociologia hermenêutica ou interpretativa de Weber e do movimento sociológico que este inspirou, partilha muitas das limitações inerentes aos métodos de investigação mais clássicos, cujo poder ficou a dever muito às dicotomias criticadas pela teoria sociológica contemporânea: por exemplo, quando o conhecimento e a ação moral são tomados como o efeito objetivo da ação subjetiva, então deve haver necessariamente uma divisão ontológica do mundo fenomenológico na esfera objetiva e subjetiva.
Na Genealogia da Moral, Nietzsche executa a sua famosa investigação sobre as origens dos preconceitos morais europeus, pelo que no início da obra se encontra escrito que o conceito de Bem não deriva de uma noção essencial de Bem, mas que é articulado consoante a vontade de poder aristocrática. Por contextualizar uma das categorias filosóficas mais essenciais para o mundo moderno no sistema histórico da estratificação social, Nietzsche talvez tenha sido implicitamente o primeiro sociólogo da cultura.
Metodologicamente, a genealogia traça os elementos da cultura, incluindo tanto as práticas como os conceitos e normas, até às suas origens históricas em determinado arranjo social. Quanto a este respeito, para Nietzsche não existem origens nem semelhante conjunto de causas abstratas primeiras que reduzam os princípios da agência humana. Assim, pode ser dito que Nietzsche completou o trabalho crítico iniciado com o Iluminismo. Com notoriedade, Kant demonstrou que o conhecimento não é produzido a partir da experiência sintética ou do a priori analítico, pois o conhecimento, tal como a moralidade, é baseado num processo sintético que tem o condão de ser a priori sem ser analiticamente abstrato. Neste sentido, Kant foi além dos debates entre cartesianos e empiristas lockeanos. Todavia, Kant não deu o passo final em direção a uma sociologia explícita do pensamento ou da moralidade: o seu famoso imperativo categórico era uma forma de absolutizar códigos morais como se fossem alcançáveis na prática pelo julgamento razoável do ator social. Um século passado, e Nietzsche sugere que os conceitos, incluindo os morais, não se traduzem em categorias essenciais do Bem, do Verdadeiro ou do Belo, mas em hierarquias sociais que decretam versões específicas dessas categorias.
A plausibilidade do método crítico de Nietzsche conquistou terreno na Europa depois da Segunda Guerra Mundial, quando, dados os efeitos da guerra, o ceticismo avançou perante a possibilidade de justificação de um Estado Social dicotomizado: com um sujeito irracional como Hitler a dominar a estrutura objetiva da Europa, a crença na habilidade de um indivíduo tornar objetivamente boa uma sociedade foi severamente desqualificada. Foi a partir deste solo desolado que escritores como Michel Foucault, Jacques Derrida, Gilles Deleuze entre outros pós-estruturalistas emergiram na França nos finais da década de 60. De um modo geral, os filósofos sociais franceses que marcaram esse período tinham todos uma dívida para com Nietzsche, apesar de não se servirem exclusivamente do pensamento deste último: Sartre é um apóstolo do existencialismo subjetivo; Lévi-Strauss enamorou-se pela teoria linguística de Saussure. Sem dúvida que Michel Foucault foi o mais puro Nitzscheano impuro: é sabido que o seu notável trabalho Arqueologia do Saber deve imenso ao método genealógico, ainda que reatualizado como método arqueológico.
References:
Nietzsche, Friedrich (2006) On the Genealogy of Morality, Cambridge, Cambridge University Press.