Epicuro (341-271 BC) foi um filósofo grego e o fundador da escola epicurista.
No plano doutrinário, Epicuro adotou vários tropos metafísicos da teoria atomista de Demócrito, ao mesmo tempo que tentou eliminar a tendências reducionista, cética e determinista, inerentes ao atomismo. Como Demócrito, Epicuro sustenta que a reflexão sobre a natureza do ser e não ser, demonstra que o universo consiste em corpos materiais indivisíveis e imutáveis e no vazio. Começando com o princípio de Parménides de que o ser não pode derivar do não ser, ou que o ser não pode findar no não ser, Epicuro argumenta que a totalidade das coisas existentes nunca podem variar, uma vez que uma coisa existente não pode perecer no não existente, ou ser gerada a partir do não ser. Adicionalmente, se somente as coisas existentes no espaço podem existir, considerando ainda que apenas as coisas tangíveis são espacialmente extensas, o que existe tem que ser necessariamente um corpo material.
Que o movimento e a mudança existem, tal é demonstrável a partir do facto empírico da existência do vazio: o movimento dos corpos acontece se houver algo intangível ou um vazio que permite a passagem dos mesmos corpos. Os epicuristas por vezes dissertavam sobre o vazio como um lugar ou espaço inocupado, o que certos filósofos classificaram como confusão. Mas a confusão é aparente: Aristóteles argumentou que o atomismo de Demócrito tratava o vazio como um lugar vazio ou preenchido; assim, quando um objeto se desloca no vazio, o corpo desse objeto e o vazio partilharão uma mesma extensão. Mas, ao passo que a existência de um espaço ocupado é dificilmente controversa, o atomismo também necessita de uma concepção forte de vazio, forte o suficiente para tratar corpos e vazio como mutuamente exclusivos; o vazio tem que servir como um intervalo entre os corpos. Tentando responder a estes desafios, Epicuro desenvolveu a primeira concepção de espaço na antiguidade, bastante ampla para incorporar tanto a localização dos corpos como os intervalos entre os mesmos corpos. Não obstante, as tensões permaneceram, dada a longa história de debates entre proponentes da teoria do espaço absoluto por um lado, e defensores da teoria do espaço relativo por outro.
O dualismo corpo/vazio explica a mudança contínua que vemos no mundo e também a permanência e conservação do ser. Ao mesmo tempo demonstra também a existência de átomos. No plano macroscópico, vemos corpos materiais alterando-se ou desgastando-se: por isso, sendo tais corpos divisíveis, o vazio consegue penetrar nestes. Mas a divisibilidade da matéria deve ser finita, uma vez que divisão física infinita levaria à destruição dos corpos no não ser. Quando o processo da divisão física alcança os corpos ainda não misturados com o vazio, o que permanece são os corpúsculos atómicos, que para Epicuro eram indivisíveis. Como são eternos e indestrutíveis, contribuem para a conservação do ser ao mesmo tempo que garantem os processos de perda e regeneração visíveis nos corpos macroscópicos.
Estes aspetos gerais da metafísica de Epicuro, estão notavelmente presentes na sua filosofia da mente, onde o filósofo se debateu com enormes dificuldades para criar um espaço de reflexão referente aos dados da psicologia do senso comum. Epicuro critica o reducionismo e o determinismo, uma vez que estas correntes eliminam no pensar os conceitos de crença, desejo, e racionalidade, fundamentais à descrição e compreensão da “vida mental”. Por exemplo, Epicuro argumenta que tanto o reducionismo como o determinismo se auto-refutam, uma vez que abolem todas as bases que permitem a distinção entre um argumento racional e um argumento irracional. Com efeito, o reducionismo requer uma visão que o ser humano não consegue ter de si: existe que o ser humano adote uma visão do mundo que elimina o seu ponto de vista enquanto agente racional. Semelhantemente, a justificação do determinismo evidencia o seguinte paradoxo: defender o determinismo requer o engajamento do ser humano numa ação racional, e este engajamento pressupõe exatamente o que esse sujeito tenta negar – que a ação individual não é predeterminada por causas antecedentes. Estas objeções ao reducionismo e ao determinismo foram, entretanto, reformuladas com maior sofisticação, mas os louros pertencem a Epicuro.
Para um epicurista, a disciplina da metafísica tem, na melhor das hipóteses, um valor instrumental. O seu objetivo principal é atenuar o sofrimento humano através da libertação dos indivíduos perante o medo da morte e dos deuses. Apenas o atomismo garante o consolo metafísico, demonstrando que a presente configuração do universo é meramente uma entre inúmeros rearranjos garantidos pela infinidade de átomos: o nosso mundo adquiriu a sua forma por intermédio de mecanismos puramente naturais e não teleológicos, e será destruído novamente através desses mecanismos.
References:
Kenny, Anthony (2004), Ancient Philosophy, Oxford, Clarendon Press.