Crítica da Razão Pura, Immanuel Kant

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Crítica da Razão Pura, (kritik der reinen Vernunft) é a primeira obra da chamada fase crítica de Immanuel kant. Editada pela primeira vez em 1781, trata-se do mais importante e influente livro, no qual ele expõe um novo programa filosófico: a filosofia, diferente da ciência não deve pretender conhecer o mundo, mas revelar os fundamentos da ciência, estabelecendo as condições de possibilidade do conhecimento.


Essa obra é composta de três partes: a Estética Transcendental (ou teoria das formas puras da sensibilidade, as intuições de espaço e tempo); a Analítica Transcendental (ou teoria dos conceitos e de nossas formas de entendimento do mundo); a Dialética Transcendental (ou teoria daquilo que não podemos conhecer ou teoria dos números: a totalidade do mundo, a imortalidade da alma e a existência de Deus).

Para compreendermos o trabalho que kant realiza é fundamental identificarmos a amplidão da revolução filosófica e científica, representada pela passagem do universo da cosmologia antiga àquele da física moderna, pela ruptura que separa o “mundo fechado” do “universo infinito”. Na prática, o panorama intelectual do continente europeu na segunda metade do século XVIII deparava-se com as pretensões de validade em disputa entre as ciências da natureza, de um lado, e a metafísica, de outro. O racionalismo e o empirismo, por sua vez, davam o substrato para esse problema e para a reflexão filosófica de Immanuel Kant. Descartes justifica o poder da razão de perceber o mundo através de ideias claras e distintas, já John Locke valoriza os sentidos e a experiência na elaboração do conhecimento, mas é David Hume com o problema do hábito nas relações frente aos termos, que retirará Kant do sono dogmático.

Hume argumenta que uma conclusão indutiva, por maior que seja o número de percepções de impressão do mesmo fato, não possui um fundamento lógico. Será sempre um salto de raciocínio impulsionado pela crença e pelo hábito, isto é, as repetidas percepções de um fato nos levam a confiar que aquilo que se repetiu até hoje irá se repetir amanhã. No entanto, as associações a partir da semelhança, da contiguidade (no espaço e no tempo) e da relação de causa e efeito, não podem ser observadas, pois não pertencem aos objetos – só os fenômenos são observáveis. As relações são apenas modos pelos quais passamos de um objeto a outro, de um termo a outro, de uma ideia particular a outra. O mecanismo íntimo do real não é passível de experiência, as relações são exteriores aos seus termos, ou seja, se não são observáveis, portanto, não podem pertencer aos objetos. As relações são simples passagens externas que nos permitem associar os termos.

Assim, Hume nega a validade universal do princípio de causalidade (causa e efeito) e da noção de necessidade a ela associada. Para o filósofo, o que observamos é a sucessão de fatos ou a sequência de eventos. O que nos faz ultrapassar o fenômeno e afirmar mais do que pode ser alcançado pela experiência, é o hábito criado, e não o nexo causal entre esses mesmos atos ou eventos

Immanuel Kant começa a partir daí, a questionar a metafísica, racionalismo que a apoiava e o próprio empirismo. Em carta escrita por ele a Marcus Herz em fevereiro de 1772, interroga: se as representações intelectuais que possuímos repousam em nossa atividade interna, de onde provem a concordância que elas podem ter com objetos que, no entanto, não são produzidos por elas? De onde se origina o fato de que os axiomas da razão pura, relativos a esses objetos, concordam com eles sem que essa concordância tenha podido pedir ajuda à experiência?

A explicação para essa problemática se inicia na consideração kantiana de que o conhecimento se funda a partir de dois elementos – o empírico e o apriorístico. O primeiro depende da experiência para se constituir, já o segundo independe da mesma e é formulado na estrutura interna da própria Razão. O conhecimento consta, portanto, de juízos que derivam da experiência sensível, bem como de juízos universais. Eles possuem formas distintas de se exprimir, que são, respectivamente, por juízos sintéticos e juízos analíticos.

Um juízo para possuir valor científico e filosófico (ou teórico), deve preencher duas condições:

– ser universal e necessário;

– ser verdadeiro, ou seja, corresponder à realidade que anuncia.

Kant afirma que os juízos analíticos preenchem a estas condições, mas que os juízos sintéticos não. Isso porque um juízo sintético se baseia nos dados da experiência psicológica individual, e como bem afirmou Hume, essa experiência se dá através das sensações e impressões que associamos em ideias que não são universais e necessárias. Nesse caso, se juízos analíticos apenas contém em si o conteúdo já afirmado no sujeito, resta apenas aos juízos sintéticos à geração de conhecimento de fato e de valor. Portanto, antes de realizar metafísica e ciência é necessário provar que são possíveis juízos sintéticos universais, necessários e verdadeiros, além de não serem empíricos.

Diante de tal questão, torna-se intrigante pensar em um juízo sintético a priori, ou seja, que depende de algo que não seja a experiência. Trata-se, segundo Kant, de formular uma abordagem da relação sujeito-objeto que una a certeza e a universalidade apriorística dos juízos analíticos à fecundidade cognitiva dos juízos sintéticos; o que significa, consequentemente, uma nova perspectiva global do conhecimento. A solução kantiana para tal problema está na consideração de esquemas ou métodos gerais inerentes ao homem que possibilitam o conhecimento dos objetos. Assim, são as regras ou procedimentos em si que para cada sujeito são as mesmas em todo lugar e a todo tempo, gerais e comuns à humanidade, e nunca o objeto que, por si só, é sempre particular.

Para Kant, o conhecimento é, por conseguinte, constituído de matéria e forma – a matéria do conhecimento é a própria coisa e a forma é sempre dada a partir do conjunto de regras universais presentes em cada sujeito. Ou seja, para conhecer as coisas, precisamos ter delas uma experiência sensível; mas essa experiência não será nada se não for organizada por formas da nossa sensibilidade dadas a priori e condição da própria experiência. Logo, apenas na conjunção desses dois elementos: sensibilidade (faculdade das intuições) e entendimento (operação dos conceitos) que é possível conhecer. Partindo de tais pressupostos, a realidade metafísica torna-se inviável, o racionalismo meramente conceitual e o empirismo puramente subjetivo.

Conhecemos sempre, o mundo dos fenômenos, da experiência, do objeto enquanto se relaciona em nós sujeitos e não em uma realidade em si. Assim, quando dizemos que conhecemos as coisas, nós na verdade, as organizamos a partir da forma a priori do tempo e do espaço inerente nós. Porque para Kant, o tempo e o espaço não existem como realidade externa, são antes condições que o sujeito põe nas coisas a priori de possibilidade da experiência sensível.

Kant analisou e concluiu que são as formas do entendimento, as chamadas categorias, que estabelecem conceitos puros e a priori que existem desde sempre em nossa consciência, são elas:

  1. Quantidade: Unidade, Pluralidade e Totalidade.
  2. Qualidade: Realidade, Negação e Limitação.
  3. Relação: Substância, Causalidade e Comunidade.
  4. Modalidade: Possibilidade, Existência e Necessidade.

As categorias permitem pensar tudo aquilo que chega com a intuição ou experiência sensível. Desse modo, o nosso conhecimento é um composto das impressões que recebemos dos objetos e do que a nossa própria faculdade do entendimento projeta nas impressões.

A inovação de Kant consiste em afirmar que a realidade não é um dado exterior ao qual o intelecto deve se conformar, mas, ao contrário, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que “aparece” para nós e, portanto, de certa forma participamos da sua construção.

Em sua crítica ao racionalismo e ao empirismo, Kant reconhece a experiência como fornecedora da matéria do conhecimento e o nosso espírito, graças às estruturas a priori, como constituidor da ordem do universo. Daí resulta um programa de investigação inovador onde, no centro da filosofia do conhecimento, devem ser postas as formas a priori da mente, universais e necessárias. Com Kant o conhecimento deixa de ser pensado como um processo de contemplação, uma teoria e passa a ser pensado como uma atividade, uma ação. A Crítica, portanto, não trata de uma análise sobre livros ou sistemas filosóficos, mas se propõe a definir a fonte, as formas e os limites de todo conhecimento humano. A crítica da faculdade da razão diz respeito a todos os conhecimentos aos quais a razão pode aspirar independentemente da experiência.

 Vale lembrar que essa obra teve grande influência no desenvolvimento da teoria do conhecimento e mesmo da filosofia da ciência na Alemanha ao final do séc. XIX, sobretudo com o neokantismo.

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References:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 6ºed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2012.

FERRY, Luc. Kant: uma leitura das três críticas. trad. karina Jannini. 2°ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2010.

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. trad. Fernando Costa Mattos. Petrópolis: Vozes, 2012.

JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. 3ºed. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.

 

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