Al-Farabi (870-950) foi um lógico, metafísico e filósofo político islâmico que não só comentou os tratados lógicos de Aristóteles, como também sujeitou a um julgamento crítico a filosofia de Platão. Este filósofo foi o primeiro a levantar a questão de como conseguiria um filósofo árabe escrever lógica ou criar um vocábulo preciso como o conceito grego de Ser, uma vez que a estrutura da língua árabe apresentava características que tornavam o ato de tradução numa árdua tarefa. A solução de Al-Farabi passou pelo uso de derivativos do verbo wjd (encontrar), sendo estes aplicados no contexto funcional onde seria encontrado o verbo ser, incluindo o sentido mais geral de “ser”.
No plano teórico, Al-Farabi dividiu os “existentes” em ser em potência e ser necessário, sendo que no caso de um ser em potência, a existência não é uma propriedade e não pode ser parte da essência desse ser em potência. Questionado se a proposição “O Homem Existe” tinha um predicado, Al-Farabi respondeu que para o lógico, “existe” é o predicado da proposição, mas não um predicado para o que investiga a natureza das coisas. Porém, no primeiro exemplo, a existência é a essência.
Na filosofia islâmica, a doutrina neoplatónica da emanação passou pelo crivo analítico de Al-Farabi, pelo que os neoplatónicos islâmicos foram fortemente inspirados pela tradução árabe de certas secções da Eneida de Plotino e do Liber de Causis (O Livro das Causas).
Sinteticamente, a doutrina neoplatónica da emanação consiste numa maneira de explicar a origem do mundo através da causalidade de Deus ou do ser primordial: o Uno de Plotino encontra-se acima do ser e do intelecto, mas dele emana através de um processo intemporal, uma inteligência que contém todos os inteligíveis e que por sua vez produz um verbo ou logos, que constitui a alma universal. A alma universal mistura-se com o mundo sensível. Além das formas, a matéria constitui o último efeito da emanação proveniente do Uno, tendo já um estatuto meramente negativo. De especial interesse é a transformação do intelecto ativo aristotélico numa entidade separada da humanidade, isto é, o Uno: ao passo que torna o conhecido cognoscível, o estatuto cosmológico de tal leitura abriu o caminho para a presença inegável de visões escatológicas e místicas na filosofia islâmica.
A filosofia antropológica de Al-Farabi reconhece três estágios ao intelecto humano: em primeiro lugar, uma “disposição natural” para o pensamento, também denominada como “faculdade racional”, “intelecto material”, e “intelecto passivo”, e que todos os homens possuem; em segundo lugar, quando a “disposição natural” para o pensamento é potencializada com o auxílio do intelecto ativo, o intelecto humano torna-se no “intelecto atual”, também denominado “intelecto passivo atual”; em terceiro lugar, como culminação, o sujeito humano aperfeiçoa o seu intelecto passivo com todos os pensamentos inteligíveis.
A cosmologia segundo Al-Farabi, prolonga a concepção de universo que encontramos em Aristóteles e na filosofia neoplatónica. Aristóteles, que desconhecia a noção de força centrifuga ou centrípeta, concebeu um Universo no qual os corpos celestiais nascem incessantemente em torno de uma terra estacionária; o movimento desses corpos celestiais depende de uma força inexaurível. Af-Farabi compreendeu que tal evento devia ter como causa o facto de cada esfera deter uma alma racional, e que o movimento da esfera é a intenção da alma emular a perfeição da primeira causa de movimento, o Ser Supremo.
References:
Davidson, Herbert A. (1992), Alfarabi, Avicenna, and Averroes, on Intellect, Oxford, Oxford University Press.