Tanto na área das Ciências Sociais (Antropologia e a Sociologia) como no campo das Humanidades (Estudos Literários e o Teatro), os estudos do ritual têm-se multiplicado. A palavra ritual deriva da raiz indo-europeia ri – como “rima”, “ritmo” e “rio” –, e significa algo como um fluxo ordenado, governado por regras, repetições e convenções.
De um modo geral, o ritual marca presença no tecido quotidiano do ser humano em inúmeras ocasiões. Por exemplo, na tradição cristã, nas celebrações da Eucaristia, o pão e o vinho simbolizam o corpo e o sangue de Jesus, o que é completamente diferente do consumo desses mesmos bens no dia-a-dia.
Por conseguinte, numa primeira definição do ritual implica-se a ação interligada numa rede de símbolos. Assim, o ritual liga-se ao tradicional, ao sagrado, e às estruturas sociais. Mas esta definição associa-se a um sincronismo inegável, que vai de encontro a uma posição durkheimiana, segundo a qual a função aparente do ritual é fortalecer os laços do indivíduo com a sociedade, pois o ritual é uma representação direta da estrutura social sobre o consciente individual.
Numa segunda definição do ritual, compreendida na proposta de Victor Turner, o ritual tem como propósito transcender essa mesma estrutura social, que implica hierarquias, como entre os ndembos da Zâmbia, povo com sociedade organizada em oposição segmentar, onde há um rito de investidura que retrata a suspensão hierárquica: neste, o chefe Kanongesha, antes de receber o título, é colocado numa cabana onde deve morrer simbolicamente para se metamorfosear num homem comum; depois de ser lavado com remédios misturados com água, tem início o rito kumukindyla, que literalmente significa “falar palavras más ou insultantes contra ele.” No decorrer do ritual, o futuro chefe permanece sentado e silente, enquanto todas as pessoas que julguem ter sido prejudicadas lhe atiram com uma chuva de impropérios, sem que isso implique pagarem um preço pela afronta mais tarde. Neste caso de liminaridade, o povo ndembo de súbdito passa a privilegiado ao exercerem autoridade sobre o chefe.
Numa terceira definição do ritual, essa mesma rede de símbolos é vista como um “texto aberto”, pelo que os participantes se tornam intérpretes, definindo a sua experiência no ritual. Deste modo, o ritual pode ser modificado como resposta diacrónica ao sincronismo da estrutura social. Um bom exemplo é o Carnaval, pois apesar de haver um enredo anual, as estratégias de interpretação e confronto são imensas, o que reitera a maior liberdade do agente.
Refira-se ainda o tremendo conjunto de códigos imanentes ao ritual: a imagem, os sons dramáticos, o tacto, o gosto e o olfacto. Toda esta sinestesia aponta um contexto de racionalidade onde se constroem não só verdades semânticas, mas igualmente verdades expressivas, corporais e emocionais.
References:
- Bakhtin, Mikhail (1987), A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais, São Paulo, Hucitec.
- Durkheim, E. (2000 [1915]) As Formas Elementares da Vida Religiosa, São Paulo, Martins Fontes.
- Turner, Victor (1974), O Processo Ritual, Petrópolis, Vozes.