A adrenoleucodistrofia ligada ao X, também denominada pelo acrónimo X-ALD, é uma desordem peroxissomal, incluída no grupo das leucodistrofias, considerada também uma doença do sistema nervoso central, que conduz a uma reação inflamatória cerebral e desmielinização graves.
É uma doença genética rara, grave e progressiva, que ocorre em todas as regiões do mundo e afeta principalmente indivíduos do sexo masculino, tendo uma incidência de 1 em cada 20.000.
Na adrenoleucodistrofia ocorre uma desordem do metabolismo dos ácidos gordos de cadeia muito longa (AGCML), constituídos por 24 ou 26 átomos de carbonos, conduzindo ao acúmulo destes no interior das células, principalmente do sistema nervoso e das glândulas adrenais.
Etiologia e patofisiologia
A adrenoleucodistrofia faz parte do grupo das leucodistrofias, ou seja, doenças progressivas, geneticamente determinadas, que afetam o sistema nervoso em decorrência de alterações na bainha de mielina que envolve os axónios dos neurónios.
A mutação genética presente nesta patologia ocorre ao nível do gene ABCD1 no lócus Xq28 do cromossoma X, mapeado em 1981 e isolado em 1993; tendo sido já identificadas mais de 600 mutações neste gene. Trata-se de uma mutação com herança de carácter recessivo transmitido por mulheres portadoras, sendo por isso o sexo masculino mais afetado por esta doença.
O gene afetado é responsável pela codificação da enzima ligase acil-CoA gordurosa. Esta enzima é uma proteína peroxissomal que se encontra presente na membrana dos peroxissomas e intervém no transporte transmembranar dos ácidos gordos de cadeia muito longa para o interior dos peroxissomas, onde ocorrem os primeiros passos de β-oxidação destes. Como esta enzima é afetada e não consegue desempenhar corretamente a sua função, os AGCML não conseguem entrar nos peroxissomas e ser corretamente metabolizados, e consequentemente estes acumulam-se no interior das células. Acumulam-se no plasma e nos tecidos, como a matéria branca do cérebro, medula espinal e no córtex supra-renal, podendo ser incorporados ainda em várias frações lipídicas e usados como substrato para elongação de ácidos gordos ainda mais longos; os AGCML podem também causar stress oxidativo e danos a proteínas.
O acúmulo dos AGCML desencadeia um processo de desmielinização grave, processo onde ocorre destruição da bainha de mielina (membrana isolante que compreende cerca de 30% de proteína e 70% de matéria gorda, como os ácidos gordos). Esta desmielinização afeta a transmissão dos impulsos nervosos e deste modo o mecanismo de comunicação entre os neurónios, sendo por isso a ALD também considerada uma doença do sistema nervoso central.
As manifestações clínicas da ALD envolvem deterioração neurológica, retardo, degeneração da retina, anomalias faciais, musculatura fraca, problemas de percepção, perda de memória, da visão, da audição, da fala, demência severa, problemas nos movimentos de marcha, convulsões, disfunção adrenal, incontinência urinaria e hipertrofia hepática.
Fig 1. ADL afeta o sistema nervoso central e pode afetar as glândulas supra-renais. Photo © A.D.A.M.
Trata-se de uma doença heterogénea, não apresentando uma correlação entre genótipo e fenótipo; indicando que outros fatores genéticos, epigenéticos e/ou ambientais também estarão envolvidos.
A ALD apresenta uma variedade de fenótipos, sendo que a classificação destes é baseada na idade do início dos sintomas e no principal local no sistema nervoso das lesões.
Os diferentes fenótipos e as correspondentes percentagens de ocorrência são apresentadas abaixo:
Forma cerebral infantil – 45%
Forma cerebral adolescente – 5%
Forma cerebral adulta – 3%
Adrenomieloneuropatia – 28%
Doença de Addison – 11%
Assintomático – 8%
A forma cerebral infantil surge por volta dos 7 anos de idade. É a forma de ALD mais severa, caracterizada por uma rápida e progressiva desmielinização e deterioração da matéria branca do cerébro, que começam normalmente em regiões parieto-ocipital.
As formas cerebral infantil, adolescente e adulta são associadas a uma resposta inflamatória, a qual é associada a uma desagregação da barreira hematoencefálica, que se assemelha a esclerose múltipla ativa.
A adrenomieloneuropatia (AMN) surge normalmente por volta dos 27 anos de idade. Possui poucas ou nenhumas lesões inflamatórias.
Caracteriza-se pelo envolvimento da medula espinal e nervos periféricos e progride ao longo de décadas. É uma axonopatia que envolve mais severamente os aspetos distais dos axónios com a perda de mielina na medula espinal. No entanto, 35% dos pacientes com AMN também acaba por desenvolver desmielinização cerebral.
Apresenta paraparesia espástica grave, perda de sensibilidade nas pernas e distúrbios do esfíncter.
A doença de Addision é caracterizada por insuficiência adrenal, devido à produção insuficiente de hormonas pela glândula adrenal; sendo que muitas vezes é seguida mais tarde também por um envolvimento neurológico.
Apesar de mais raro, as mulheres também podem desenvolver adrenoleucodistrofia, de uma forma mais leve, envolvendo manifestações como ataxia, fraqueza ou paralisia das pernas.
Diagnóstico
A ALD é uma patologia de difícil diagnóstico. Nos testes iniciais pode ser realizada uma cromatografia gasosa associada à espectrometria de massa do plasma, com o intuito de obter uma dosagem dos níveis plasmáticos dos ácidos gordos de cadeia muito longa. Esta análise é mais eficiente no caso dos pacientes do sexo masculino, uma vez que no caso das mulheres este teste não é conclusivo, visto que estas podem ser portadoras e apresentar na mesma níveis normais de AGCML. Também pode ser realizada uma cultura de fibroblastos para analisar os níveis de AGCML.
Quando os níveis de AGCML encontram-se muito elevados, para confirmar o diagnóstico sugere-se a realização do cariótipo onde se deteta a mutação genética subjacente.
Pode ainda ser realizada uma ressonância magnética para detetar outros sinais.
Tratamento
Recomenda-se aconselhamento genético e rastreio para famílias com antecedentes desta patologia.
Atualmente ainda não existe uma cura para a adrenoleucodistrofia. No entanto, existem alguns tratamentos para atenuar o desenvolvimento desta.
Por exemplo, a reposição hormonal é o tratamento padrão para a disfunção adrenal. O transplante da medula óssea consiste no único tratamento que pode parar a desmielinização, uma vez que células derivadas da medula óssea normais podem metabolizar corretamente os AGCML, no entanto, este tratamento recomenda-se na fase inicial da doença.
Recomenda-se uma dieta baixa em AGCML e uma suplementação com o “Óleo de Lorenzo”, que continua a obter um grande êxito, em particular quando administrado antes do surgimento dos sintomas. O “Óleo de Lorenzo” consiste na mistura de dois ácidos gordos insaturados, o ácido oleico e o ácido erúcico; o metabolismo destes sobrepõe-se ao dos ácidos gordos saturados, como o dos AGCML, e evita deste modo o acúmulo de AGCML, ajudando a normalizar os seus níveis circulantes. Apesar de não ser uma cura definitiva, permite estabilizar a doença e evitar o desenvolvimento dos sintomas associados a esta, melhorando significativamente a qualidade de vida dos pacientes.
Lorenzo´s Oil
A procura por um tratamento para a ALD e o consequente desenvolvimento do “Óleo de Lorenzo” passou para as telas de cinema no filme Lorenzo´s Oil. Este filme baseado em factos reais, foi produzido nos EUA, em 1992, ganhando um prémio Óscar para melhor roteiro original e deu à protagonista Susan Sarandon um Globo de Ouro na categoria de melhor atriz-drama.
O filme retrata a história verídica da família Odone, em que Michaela Odone e Augusto Odone decidem, após o seu filho Lorenzo com 6 anos de idade ser diagnosticado com ALD e perceberem que existia pouca pesquisa sobre esta doença e sobre o seu tratamento, iniciarem eles próprios uma jornada em procura de um tratamento para a doença do filho. Essa investigação resultou na formulação do “Óleo de Lorenzo” ainda atualmente usado. Lorenzo não obteve cura para a sua doença, mas viveu mais 22 anos para além do prognóstico dos médicos aquando o seu diagnóstico.
Para mais informações consultar:
Kasper, Fauci, Hauser, Longo, Jameson & Loscalzo. (2015). Harrison’s Principles of Internal Medicine. McGraw-Hill Professional; 19 edition.
Dubois-dalcq, M., Feigenbaum, V., Aubourg, P., & Dubois-, M. (1999). PERSPECTIVES ON DISEASE The neurobiology of X-linked adrenoleukodystrophy, a demyelinating peroxisomal disorder. TINS Vol. 22, No. 1 . S0166-2236(98)01319-8 .
Braiterman, L. T., Watkins, P. A., Moser, A. B., & Smith, K. D. (1999). Peroxisomal Very Long Chain Fatty Acid ß-Oxidation Activity Is Determined by the Level of Adrenodeukodystrophy Protein (ALDP) Expression. Molecular Genetics and Metabolism 66, 91–99.
Engelen, M., Kemp, S., de Visser, M., van Geel, B. M., Wanders, R. J. a., Aubourg, P. a, & Poll-The, B. T. (2012). X-linked adrenoleukodystrophy (X-ALD): clinical presentation and guidelines for diagnosis, follow-up and management. Orphanet Journal of Rare Diseases, 7(1), 51. doi:10.1186/1750-1172-7-51
- W, Moser. (1995). Adrenoleukodystrophy : natural history, treatment and outcome. J. Inher. Metab. Dis. 18, 435-447.
Wanders, R. J. a. (2004). Peroxisomes, lipid metabolism, and peroxisomal disorders. Molecular Genetics and Metabolism, 83(1-2), 16–27.
http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/9951/7/3660_TD_01_P.pdf
http://www.infoescola.com/doencas/adrenoleucodistrofia/