“O Nascimento de Vénus”, é uma obra pictórica do Renascentista Sandro Botticelli, encomendada por Lorenzo di Pierfrancesco de Médici para a Villa Medicea di Castello. Juntamente com sua obra “A Primavera”, O Nascimento de Vénus, é um dos pontos altos da maturidade artística de Botticelli e um exemplar extraordinário da pintura renascentista.
A obra, com umas dimensões de 172,5 x 278,5 cm, encontra-se actualmente na Galeria Uffizi em Florença, Itália e representa a primeira representação de Vénus do Renascimento, introduzindo a temática pagã no formulário florentino.
O quadro faz parte de uma série de obras produzidas por Botticelli com inspiração nas descrições atribuídas ao historiador Luciano, do século II, que davam conta de obras-primas da Grécia antiga e que estavam há muito tempo desaparecidas na época de Botticelli. Nelas se descrevia a obra Anadyomene Vénus, de Apelles (“Anadyome” significa “surgindo do mar”), cujo nome foi o originalmente dado a “O Nascimento de Vénus, que recebeu o actual nome, apenas no Século XIX.
O Nascimento de Vénus, pintada por volta de 1484, é uma das mais famosas obras de Botticelli. Nela, segundo alguns críticos, o artista revela as mudanças de sua visão do mundo, de modo que Vénus representa a alma cristã a emergir das águas do baptismo.
A composição retrata a chegada de Vénus (Afrodite), nascida da espuma do mar, à terra. Embora desnuda, a deusa não sugere erotismo algum, ao contrário, passa-nos uma extrema pureza e até recato. Ao contrário de outros pintores, que optaram pela representação mais sensual da deusa Vénus, Botticelli representou-a na pose conhecida como “Vénus Pudica”, imitando a pose de uma antiga e famosa estátua romana. A figura delgada da deusa Vénus tem a mão direita cobrindo um dos seios, enquanto a esquerda cobre-lhe a virilha, usando as pontas de seus longos cabelos ruivos. Ela desliza sobre o mar, de pé na parte mais pontuda de uma concha, numa atitude de confiança plena. Possui um olhar meigo e distante, imerso nos seus próprios pensamentos. Muitas rosas são vistas, sobretudo sobre Zéfiro e Clóris. A rosa, flor do amor, é a flor sagrada de Vénus, e foi criada quando ela nasceu. Os espinhos das rosas são para nos lembrar de que o amor também pode ser doído.
A imagem é dotada de uma enorme naturalidade e serenidade. A luminosidade da paisagem,representa uma das características renascentistas de derivação clássica, associadas à temática mitológica da pintura. Ao recorrer a cores de tom intermédio e escolhendo uma luz fria e neutralizante, Botticelli recusou a imitação directa e naturalista do mundo real, criando, um espaço e um conjunto de figuras idealizados. A riqueza de detalhes, o uso das cores claras, a harmonia das formas, a delicadeza dos movimentos, a serenidade nos olhares e a alusão ao mito de Vénus são as principais características na obra de Botticelli.
A obra de Botticelli, especialmente o Nascimento de Vénus, é a que melhor exprime a persistência do pensamento neoplatónico no Quatrocentos florentino. O sistema neoplatónico deste philosophus, platonicus, theologus et medicus, adverso ao naturalismo na pintura e mais interessados nas “coisas do espírito”, desenvolveu um repertório que recuperou a iconografia clássica pagã, recriando temáticas em alegorias de natureza cristã.
O Nascimento de Vénus foi uma pintura revolucionária para o seu tempo, por ser a primeira obra de grande porte renascentista a tratar um tema laico e mitológico, abrindo mão dos temas sacros explorados pelos outros pintores. Por isso, chega a ser surpreendente que o quadro tenha escapado da ira sagrada, que consumiu outras tantas obras de Botticelli porque, segundo ele, teriam “influências pagãs”.
Apesar do prestígio que a obra tem actualmente, a verdade, é que ela quase foi queimada numa fogueira em 1497 por “promover o pecado”. É importante lembrar que, na Idade Média, o retrato da nudez era muito raro na arte, principalmente na pintura. A maioria das obras era de inspiração cristã, e as pessoas retratadas se mantinham estritamente cobertas e vestidas. Mas o humanismo mudou isso, e Botticelli foi um dos primeiros a adoptar o movimento e O Nascimento de Vénus, é um maravilhoso exemplo disso.
References:
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