A sinestesia (do grego συναισθησία, que significa “sensação” ou “perceção simultânea”) é um recurso expressivo que consiste na junção de várias sensações originadas por aquilo que os nossos cinco sentidos captam da realidade ou, por outras palavras, é a combinação dos sentidos numa só expressão. Para além desta osmose dos sentidos, vários autores e poetas fazem, ainda, alusão às sensações térmicas, como a frescura ou o calor, para uma maior amplitude da captação sensorial.
Deste modo, e atuando ao nível da semântica, a sinestesia traduz um fenómeno singular, o qual pode ser descrito como um olhar impressionista do autor sobre a realidade circundante para, então, proceder a um cruzamento entre universos distintos ao fundir a qualidade de um ou mais sentidos noutro(s).
Bastante frequentes em Charles Baudelaire (1821-1867) ou em Arthur Rimbaud (1854-1891), poetas simbolistas franceses que privilegiam a subjetividade ao invés da objetividade, as suas sinestesias atuam nomeadamente ao nível das cores e dos sons. A título de exemplo, na passagem “Uma revoada de pombos escarlates estala em torno do meu pensamento” [1] Rimbaud exprime a ‘violência’ da perceção auditiva através da forma verbal “estala”, reforçando-a com uma sensação visual associada ao substantivo “escarlates”.
No que diz respeito aos poetas portugueses, o destaque vai para Cesário Verde (1855-1886), na medida em que uma das características do colorido da sua linguagem advém precisamente da mestria da técnica impressionista, da atenção ao detalhe para, assim, captar e combinar as mais variadas sensações. No poema «Cristalizações»[2] , por exemplo, Cesário recorre à sinestesia para traduzir as sensações que um dia solarengo de inverno lhe proporciona. Na passagem “Vibra uma imensa claridade crua”, ao conjugar as perceções que a visão e o paladar lhe oferecem, o poeta atribui uma maior valorização às sensações que experiencia em detrimento do objeto real.
A nível gramatical, os autores utilizam principalmente os adjetivos, os substantivos, os verbos ou os complementos do nome para criar os mais variados efeitos da sinestesia.
Outros exemplos de sinestesias :
- “É um sorvo a mais de cheiro / A terra e a rosmaninho!” (combinação da sensações gustativa e olfativa), Miguel Torga in «São Leonardo da Galafura»
- “E fere a vista com brancuras quentes, / A larga rua macadamizada” (combinação das sensações visual e táctil), Cesário Verde in «Num Bairro Moderno»
- “Era uma manhã muito fresca, toda azul e branca, sem uma nuvem…” (combinação das sensações térmicas e visuais), Eça de Queirós in «Os Maias»
- Pauis de roçarem ânsias pela minh’alma em ouro…” (combinação das sensações táctil e visual), Fernando Pessoa in «Impressões do Crepúsculo»
Nota: não confundir a noção de “sinestesia” com a noção de “cinestesia”, pois esta última, segundo o dicionário Porto Editora [3], designa o “sentido pelo qual se tem a perceção dos membros e dos movimentos corporais”.
References:
[1] Rimbaud, Jean-Arthur. Iluminações. Uma Cerveja no Inferno. Tradução de Mário Cesariny. Lisboa: Assírio & Alvim, 1999
[2] Verde, Cesário. «Cristalizações» in Poesia Completa. Lisboa: Dom Quixote, 2001.
[3] Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2018. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/cinestesia