Ricardo Reis foi um heterónimo criado por Fernando Pessoa que, segundo este último, nasceu da vontade de escrever “uns poemas de índole pagã.” 1
Ainda segundo Pessoa2, Ricardo Reis nasceu no Porto em 1887 e, depois de ter frequentado um colégio de jesuítas, no qual recebeu uma educação clássica, ingressou na faculdade para estudar medicina. No entanto, já formado, não chegou a exercer, pois decidiu expatriar-se para o Brasil por ser monárquico, numa altura em que o regime republicano acabava de ser implantado em Portugal.
Quanto à sua morte, dado que Pessoa optou por não fornecer qualquer informação, foi José Saramago, com o seu génio inventivo, que a situou no ano de 1936, em Portugal, na obra «O ano da morte de Ricardo Reis» (1984).
Ricardo Reis é o poeta da serenidade epicurista[1], que aceita, com calma e lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas as coisas, pois tem consciência da efemeridade da vida, da inexorabilidade do Tempo e da inevitabilidade da Morte. Semelhante a Alberto Caeiro, deambula muitas vezes pela Natureza mas, ao invés do Mestre, pondera sobre o sentido amargo da vida ou encena a morte, mesmo que viva em conformidade com as leis do Destino.
Por toda a sua poesia, muitas vezes caracterizada como sendo cerebral e pessimista, Reis aconselha a que se aprenda a viver tranquilamente, abraçando a máxima horaciana do carpe diem, e a ter a serenidade de aceitar o ritmo da vida. Como tal, revela-se ser necessária uma enorme autodisciplina para, assim, não se ceder aos impulsos dos instintos.
De facto, se Ricardo Reis deixa transparecer nos seus poemas toda uma tragicidade e apatia face ao mistério da vida (levando, deste modo, a uma relação com a intelectualização que afeta Fernando Pessoa ortónimo), também nos obriga a abrandar, a pensar nas suas linhas condutoras e a constatar que o presente é o único tempo que nos é verdadeiramente concedido.
Características da poesia de Ricardo Reis ao nível da linguagem, do estilo e da estrutura:
- linguagem culta, erudita e latinizante;
- predomínio dos verbos no presente do indicativo;
- tom didático e moralista (conselhos expressos no imperativo ou no conjuntivo);
- predomínio da Ode;
- regularidade estrófica, métrica e rítmica;
- predomínio das anástrofes, das metáforas, das aliterações, das apóstrofes e dos hipérbatos.
Temáticas presentes na poesia de Ricardo Reis:
- [1]Epicurismo (demanda da felicidade e do prazer relativos; indiferença perante as emoções excessivas e preferência pelo estado de ataraxia, ou seja, pela serenidade e ausência de perturbação ou inquietação);
- Estoicismo (aceitação das leis do Tempo e do Destino; resignação perante a frágil condição humana e o sofrimento; culto da autodisciplina e da abdicação voluntária de sentimentos e compromissos);
- Neoclassicismo (revivalismo da cultura da Antiguidade Clássica);
- Neopaganismo (hierarquização ascendente – homens, deuses e Fado);
- Horacianismo (carpe diem: fruir o momento com moderação);
- Contemplação da Natureza.
Versos ilustrativos de Ricardo Reis:
- “Esta é a hora, este o momento, isto / É quem somos, e é tudo.” (carpe diem)
- “Mais vale saber passar silenciosamente / E sem desassossegos grandes” (ideal de ataraxia)
- “Antes de nós nos mesmos arvoredos / Passou o vento” (passagem do tempo / efemeridade da vida)
References:
1 Pessoa, Fernando. Escritos Íntimos, Cartas e Páginas (Introdução, organização e notas de António Quadros.) Lisboa: Publ. Europa-América, 1986. Disponível em:
http://arquivopessoa.net/textos/3007
2 Idem