Hipálage

Definição de “hipálage”

A hipálage (do grego ὑπαλλαγή, hypallagé) é um recurso expressivo oriundo da retórica clássica que consiste na atribuição de uma qualidade ou de uma característica de um ser ou de uma coisa que, na realidade, pertence a outro ser ou a outra coisa com a qual estabelece uma relação.

Neste sentido, a hipálage caracteriza-se por um certo desajustamento entre a função gramatical e a função lógica das palavras, já que se opera uma alteração gramatical. Na maior parte das vezes esta alteração ocorre entre um substantivo e um adjetivo. Consequentemente, este recurso expressivo atua também a nível da semântica, na medida em que cria uma rutura ou uma transposição dos sentidos e interfere no significado das palavras.

Deste modo, a hipálage, tal como a sinestesia, requer tanto um olhar muito peculiar, quiçá impressionista, por parte do autor sobre a realidade circundante para poder traduzir a imediatez da perceção captada, como uma “originalidade da construção, sem ambicionar outra representação mental da realidade a não ser aquela relacionada com o fenómeno psicológico ou com a ilusão de ótica”.[1]

No âmbito da literatura portuguesa, um dos mais importantes precursores da hipálage é, sem dúvida, Eça de Queirós (1845-1900). Devido ao facto de o autor utilizar um número considerável de adjetivos, evidentemente aliado ao seu génio criativo, as hipálages parecem fluir naturalmente na sua obra, conferindo uma certa vivacidade a elementos da realidade que, por norma, são inanimados.

Na célebre passagem d’ «A cidade e as Serras», “fumar antes do almoço um pensativo cigarro”, o leitor percebe que quem está pensativo é quem fuma (subentendido na frase) e não o cigarro. Contudo, o próprio cigarro é que usufrui de toda a carga semântica inerente ao ato de pensar.

A hipálage traduz, então, um efeito expressivo único que, afinal, até revigora a própria linguagem.

Outros exemplos de hipálages:

  • “E apareceu um indivíduo muito alto, todo abotoado numa sobrecasaca preta, com uma face escaveirada, olhos encovados, e sob o nariz aquilino, longos, espessos, românticos bigodes grisalhos” Eça de Queirós in «Os Maias»
  • “E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos” Cesário Verde in «O Sentimento de um Ocidental»
  • “O silêncio desaprovador dos meus colegas” Camilo Castelo Branco in «A Queda dum Anjo»
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References:

[1] Duarte, Rosa. Hipálage. E-Dicionário de Termos Literários. Disponível em: http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/hipalage/

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