Snapshot

“Snapshots reflect the needs and desires of all who appear in and make them, as well as the social, commercial and visual worlds in which they are produced.”, Marvin Heiferman[1]

O final do século XIX e início do século XX testemunharam a invenção e disseminação da Kodak, que permitiu ao cidadão comum o acesso fácil e rápido à ferramenta tecnológica que permitiu registar momentos do quotidiano. Deste modo, a snapshot, em português comummente traduzida como “fotografia de ocasião”, está desde os seus primórdios ligada a uma ideia de amadorismo.

A grande maioria das primeiras snapshots ilustram momentos importantes da vida de quem as tira, sejam casamentos, batizados, festas de aniversário ou viagens; contudo, rapidamente se assiste a um alargamento da esfera de ocasiões consideradas “fotografáveis”, pelo que ao espólio dos acontecimentos especiais se juntam imagens de eventos do quotidiano, momentos de intimidade familiar, fotografias de paisagens ou elementos que suscitam o interesse de quem fotografa.

A snapshot assenta assim sobretudo na relação que é estabelecida entre aquele que prime o botão da máquina fotográfica e o objeto fotografado. Não há qualquer pretensão artística na maioria dos casos, mas sim um desejo ou até necessidade de registar um dado momento ou local que, por uma razão ou outra, exerce um certo tipo de atração sobre quem fotografa. Apesar disso, ao longo dos anos tem vindo a emergir uma “estética do espontâneo”, havendo uma disseminação das fotografias de ocasião consideradas “artísticas”[2].

A facilidade, acessibilidade e operatividade cada vez maiores das câmaras fotográficas, e mais recentemente, a incorporação massiva de câmaras nos telemóveis, levaram a que hoje em dia o número de fotografias existentes seja incontável. Atualmente, a fotografia não é impressa, mas imediatamente digitalizada para o computador, ou mantida na memória do telemóvel, e o álbum de fotografias migrou para a pasta de imagens no computador pessoal ou dispositivo móvel. No entanto, o ato de fotografar continua a ser recorrente, e apesar de haver uma cada vez menor disponibilidade para se olhar para as fotografias, a pulsão arquivista mantém-se, tentando-se desta forma compensar a efemeridade da visão e os limites da memória.

Esta já mencionada necessidade de “resgatar” certos momentos do tempo está intrinsecamente ligada á emotividade que é colocada em cada snapshot. Por não ser na sua essência artística, e sendo, segundo Paula Figueiredo, “um género que negligencia a «representação» e exalta o momento de captação[3], este tipo de fotografias vai então construir-se em torno de um ciclo fechado sobre si próprio, ou seja, a mera observação da fotografia não faculta ao espectador a explicação para a importância do momento. Assim, a snapshot é tirada para ser contemplada por quem a tira, e, eventualmente, pelos rostos anónimos que surgirão ilustrados.

Este especial enfoque nas relações privadas e momentos banais do dia-a-dia não implica, ao contrário do que se possa julgar, uma total naturalidade das imagens. A presença da câmara, por si só, leva a uma certa alteração do comportamento por parte dos sujeitos fotografados. Nas fotografias de casamentos as pessoas perfilam-se perante a câmara junto às personagens centrais daquela pequena narrativa, o noivo e a noiva; nas festas de anos, é o aniversariante que desempenha o principal papel, junto ao qual todos tentam obter a sua imagem representada. Mesmo em fotografias em que não haja uma pose explícita, há sempre um qualquer tipo de encenação, visível na criança que deita a língua de fora para a objetiva, num momento de brincadeira com os pais, ou no casal que dá a mão frente à câmara numa afirmação da relação existente.

Torna-se então possível afirmar que “encenação” e “ocasião”, apesar de parecerem termos paradoxais, se unem na snapshot; ainda que não haja uma ordem direta do fotógrafo ou um pré-arranjo de modelos e cenários, a encenação está presente na fotografia de ocasião, seja no gesto ou olhar do sujeito fotografa, ou no pormenor que o fotógrafo escolhe captar, encenado assim para si próprio um fragmento da realidade existente.

 

 

 

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References:

[1] HEIFERMAN, Marvin, Now is Then: Snapshots from the Maresca Collection, Princeton Architectural Press, NY, 2008

[2] Joseph August Lux considerava que uma fotografia amadora poderia ser considerada artística quando adquiria efeitos de luz e sombra interessantes e que não fossem usuais; em 1998, no San Francisco Museum of Modern Art, e em 2000, no The Metropolitan Museum of Art em Nova Iorque, foram organizadas exposições que exibiam fotografias amadoras, as quais por alguma razão não intencional, adquiriram um estranho e inesperado interesse visual.

[3] FIGUEIREDO, Paula, Snapshot: Imagens Privadas, Arte Capital, 2007

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