Biografia de Aristides de Sousa Mendes (1885-1954)
A 19 de Julho de 1885 nasce Aristides de Sousa Mendes, filho de D. Maria Angelina Ribeiro de Abranches, da nobre família dos viscondes de Midões e do seu marido (juiz) José de Sousa Mendes.
Aristides nasceu na pequena localidade de Cabanas de Viriato, perto de Nelas, junto à cidade de Viseu.
Principalmente por causa do nome, houve especulações acerca da possível ascendência judaica na família de Sousa Mendes. Embora isso seja possível deve também dizer-se que Aristides não se sentia de modo nenhum judeu. De facto, ele e a sua família eram profundamente católicos.
Os estudos secundários foram feitos em Viseu e em 1907 licencia-se em direito na Universidade de Coimbra conjuntamente com o seu irmão César e ambos enveredam pela carreira diplomática.
Aristides foi nomeado cônsul de 2ªclasse na Guiana Britânica. Ocupou o seu posto acompanhado da sua jovem esposa e prima, D. Angelina de Sousa Mendes. Nasce o primeiro filho, Aristides César.
Na Primavera e Verão de 1916, toda a família adoeceu ou de malária ou de bronquite aguda e asma, agravadas pelo clima de Zanzibar, um dos piores de África. A 20 de Junho Aristides é promovido a cônsul de 1ª classe.
Aumentou legalmente o seu nome para Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches, reafirmando assim as suas raízes aristocráticas.
A 11 de Junho de 1921 foi enviado para dirigir temporariamente o consulado em San Francisco, Califórnia.
Ficou nos EUA durante 2 anos, e dois dos seus filhos nasceram ali. O segundo deles era o seu décimo filho (Angelina havia de dar-lhe ainda mais 4 filhos, o último nascido em 1933, quando ela tinha já quase 45 anos).
É sempre difícil manter uma família numerosa e Sousa Mendes teve de contrair empréstimos para alimentar e alojar a família, proeza difícil, especialmente nos EUA, onde o custo da habitação era muito elevado e onde ele não tinha sequer direito a despesas de instalação.
Regressa a Lisboa, em 1926, para prestar serviço na Direcção-Geral dos Negócios Comerciais e Consulares e é nomeado secretário da Delegação Portuguesa da Comissão Internacional entre Portugal e Espanha.
Em Julho de 1932, Salazar atinge o lugar de Presidente do Conselho de Ministros e confia a pasta dos Negócios Estrangeiros ao irmão de Sousa Mendes.
Sousa Mendes sonhava ser capaz de algum dia desmascarar a corrupção no seio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas compreendia que isso era impossível sob o regime vigente.
Em 1936 tornou-se decano do corpo diplomático em Antuérpia e teve um enorme êxito nessa qualidade.
O rei belga, Leopoldo III, tinha tanto apreço por Aristides que lhe conferiu duas condecorações, fazendo-o oficial da Ordem de Leopoldo e comendador da Ordem da Coroa, a mais alta condecoração da Bélgica.
A família vai viver para a Bélgica e fica lá até 1938, mas Sousa Mendes passa a ter constantes atritos com colegas e graves problemas financeiros, devidos não só à sua prole, mas também aos seus gastos megalómanos.
A 1 de Agosto de 1938, Aristides pede a Salazar que o transfira de posto, devido ao cansaço que sentia da pressão dos seus colegas que cobiçavam o seu cargo.
É então transferido para Bordéus, para onde está marcado o seu encontro com a História.
Não tardou a dar provas da sua generosidade. Vários corredores portugueses, que tinham participado numa prova de ciclismo, não dispunham de meios para regressar a Portugal. Aristides, com dinheiro do próprio bolso, alojou-os num hotel e pagou-lhes a viagem de regresso em comboio.
Com o eclodir da Segunda Guerra Mundial e o exército alemão a avançar pela França, Bordéus torna-se refúgio de muita alma fugida do norte da Europa e o consulado português passa a representar um raio de esperança para todos os que necessitam de obter um visto. Contudo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros tinha dado instruções muito claras: Não passar vistos nos passaportes de Judeus e Cidadãos Soviéticos.
Contrariando a circular n.º 14, de 1939, que proibia a concessão de vistos a certas categorias de refugiados, especialmente judeus, Aristides, depois de passar vários dias de cama com febre e espasmos nervosos, toma a decisão, movido pela sua consciência, de passar vistos a todos quantos necessitem.
Num ímpeto, a notícia corre célere entre os refugiados e torna-se impossível controlar a multidão em desespero.
Os passaportes são recolhidos em sacos e três dias a fio o diplomata não se deita para assinar interminavelmente o documento que permitia a vida e a salvação.
Dias mais tarde, desloca-se ao consulado de Baiona, onde empreende uma nova “operação de salvamento”, chegando ao ponto de mandar colocar uma mesa na rua, para facilitar a passagem de vistos.
Salazar, ao tomar conhecimento da insubordinação de Aristides de Sousa Mendes, dá instruções para que este regresse de imediato a Lisboa, escoltado por dois diplomatas, sob prisão.
Com este gesto, Aristides salvou a vida a mais de trinta mil refugiados (um terço deles judeus), mas também lhe valeu, em Outubro de 1940, ser condenado a um ano de suspensão sem remuneração e a reforma compulsiva findo este prazo.
Quatro anos após o processo disciplinar instaurado por Salazar, o ex-cônsul sofreu, talvez devido a toda a tensão psicológica, uma primeira hemorragia cerebral que lhe paralisou a parte direita do corpo.
A situação de Sousa Mendes era desesperada, sendo que em 25 de Abril de 1946, este dirigiu à Ordem dos Advogados um pedido formal de ajuda financeira. No entanto, a resposta foi negativa. Os estatutos estipulavam que os membros só tinham direito a assistência financeira se tivesse exercido a profissão durante um mínimo de 5 anos. Sousa Mendes não o tinha feito.
Por ironia, enquanto a carreira de Sousa Mendes era destruída, os refugiados que ele tinha ajudado deliciavam-se com a calorosa hospitalidade do povo português.
Ressalva-se que Salazar não foi o único responsável pela cada vez mais difícil situação do cônsul. A 16 de Agosto de 1948, a sua esposa Angelina morre aos 59 anos de idade, vítima de complicações cerebrais, depois de já ter estado em coma durante vários meses.
Vendo-se viúvo, acaba por contrair segundas núpcias, em 1949, com Andrée Cibial, de quem tivera uma filha. Com a esposa e filhos, sai de Lisboa e passa a residir no “Passal”, em Cabanas de Viriato (Viseu), na casa da aldeia.
Os últimos 5 anos da vida de Sousa Mendes foram os mais difíceis. A maior parte da casa estava desabitada e despojada das mobílias. Andrée, que era uma pianista talentosa, tinha vendido até os instrumentos, na sua procura de dinheiro. Segundo se sabe, umas das vezes, Aristides teve mesmo de tirar uma porta de um anexo para queimar, pois já não tinham lenha.
O clima da Beira Alta era na opinião de um médico, muito prejudicial para Aristides, sendo este aconselhado a sair do país e ir para França. Este ainda o fez durante 2 meses, mas voltou explicando que só conseguia viver na sua terra natal.
A viagem deixou-o exausto e facilmente este apanhou uma pneumonia. Andrée levou-o para o Hospital da Ordem Terceira e foi aí que, a 3 de Abril de 1954, Aristides de Sousa Mendes morreu de uma trombose cerebral agravada pela pneumonia.
Andrée ficou em Portugal, caíra na indigência e o tribunal acabou por ordenar que a residência fosse vendida em hasta pública para cobrir dívidas não pagas.
A morte de Sousa Mendes foi ignorada pela imprensa e passou despercebida aos Portugueses.
Infelizmente e tal como a história nos vem mostrando, grandes “cabeças”, grandes “almas” e grandes “corações” só são reconhecidos e valorizados após a sua morte… Um grande obrigada!
References:
- Alves, V. & Faria, S. (2010). Refugiados da II Guerra Mundial em Portugal. SAPIENS – Revista de História, Património e Arqueologia
- Andrade, M.R.L. (2007). Aristides de Sousa Mendes ou o diplomata que se fez refugiado. Universidade Portucalense.
- Carvalho, B. (2012). Revista Historiar, 7 (IV), 81-88
- Lewin, H. (2011). Solidariedade em tempos sombrios: tributo aos “Justos entre as nações”. WebMosaica revista do instituto cultural judaico 1 (III)