A cantiga de amor, a par da cantiga de amigo e da cantiga de escárnio e maldizer, é um género pertencente à lírica galego-portuguesa, a qual floresceu em finais do século XII no Ocidente da Península Ibérica.
Estas cantigas, que tiveram a sua origem no ambiente palaciano de Provença, no sul de França, e eram destinadas a ser cantadas e musicadas, são caracterizadas como sendo aristocráticas, convencionais e cultas, pois remetem para o todo o ambiente faustoso da corte e para a sua linguagem e etiqueta próprias.
Uma das suas principais características, que a diferenciam das outras duas, assenta no facto de o emissor, ou o sujeito poético, ser um homem que expressa os seus sentimentos amorosos. No entanto, o amor (tema central), ao invés de ser verdadeiramente sentido, é um produto da inteligência e da imaginação do trovador, dado que é geralmente “fingido” ou “representado”.
Ao cultivar-se, assim, o amor cortês, estas composições poéticas deixam transparecer todo um ideal amoroso tipicamente medieval, marcado por convenções e por algum artificialismo, em que o trovador apaixonado presta vassalagem amorosa à sua amada e atribui-lhe um estatuto de ser superior, chamando-a de sua «senhor».
Ainda a nível do conteúdo, as cantigas de amor têm como pano de fundo o estado emocional e a vivência psicológica do homem apaixonado, o qual tanto pode enumerar as qualidades ou as virtudes da sua “senhor”, fazer referência aos seus atributos e afirmar que ama e que sofre ardentemente, alimentando a esperança de ver o seu amor a ser consumado, como pode desesperar (coita de amor) 1 e, em tom de lamento, expressar que não recebe a atenção da sua amada, dizer que pode morrer de amor ou até mesmo enlouquecer. Contudo, apesar de toda a angústia sentida, espera sempre uma recompensa por parte da «senhor», um sinal do seu afeto e consideração.
No que diz respeito à estrutura formal destas cantigas, a sua maior parte está organizada em três ou quatro estrofes (mais raramente, duas ou cinco) de sete versos, os quais podem ter sete, oito, ou dez sílabas. Predominam as cantigas de mestria, ou seja, composições que se caracterizam pela ausência de refrão, mas também existem composições poéticas que registam um refrão, ou estribilho. Este, regra geral, está integrado no final da estrofe. Vejam-se abaixo os exemplos de uma cantiga de mestria, da autoria de D. Tomás de Noronha, e de uma cantiga de refrão, da autoria de Bernal de Bonaval.
Cantiga de mestria
Não sossegue eu mais que um bonifrate,
De urina sobre mim se vaze um pote,
As galas, que eu vestir sejam picote,
Com sede me dem água em açafate.
Se jogar o xadrez, me dem um mate,
E jogando às trezentas, um capote,
Faltem-me consoantes para um mote,
E sem o ser me tenham por orate,
Os licores que beba sejam mornos,
Os manjares que coma sejam frios,
Não passeie mais rua que a dos fornos,
E para minhas chagas faltem fios,
Na cabeça por plumas traga cornos,
Se meus olhos por ti mais forem rios.
Cantiga de refrão
A dona que eu am’e tenho por senhor |
amostrade-mi-a, Deus, se vos en prazer for, |
senom dade-mi a morte. |
A que tenh’eu por lume destes olhos meus |
e por que choram sempr’, amostrade-mi-a, Deus, |
senom dade-mi a morte. |
Essa que vós fezestes melhor parecer |
de quantas sei, ai, Deus!, fazede-mi-a veer, |
senom dade-mi a morte. |
Ai Deus! que mi a fezestes mais ca mim amar, |
mostrade-mi-a, u possa com ela falar, |
senom dade-mi a morte.
|
Relativamente à linguagem, ao contrário das cantigas de amigo, as cantigas de amor são poemas mais elaborados e mais refinados, apresentando, deste modo, construções frásicas mais complexas. Registam também bastantes expressões e vocábulos oriundos da norma culta da época, assim como alguns de origem provençal (“sen”, “drudo”, “prez”, “parlar”,…).
1 A coita de amor refere-se ao sofrimento amoroso cortês, típico nestas cantigas. A palavra coita é um arcaísmo que, segundo o dicionário da Porto Editora2, significa “sofrimento”, “infelicidade”, “desgraça.”
References:
2 coita in Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2018. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/coita
Lanciani, Giulia. Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa. Lisboa: Caminho, 1993