O Sebastianismo é um mito messiânico, de tradição judaico-cristã, que nasceu de um forte sentimento patriótico, mais especificamente da crença do povo português quanto ao retorno do rei D. Sebastião (1554-1578) da batalha que travara no norte de África contra os mouros.
Quando D. Sebastião, muito provavelmente o monarca mais amado pelos portugueses, foi dado como desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir, a 4 de agosto de 1578, o país mergulhou num profundo estado traumático, de desespero e de inércia. Visto que o rei não deixara quaisquer herdeiros diretos, a consequência traduziu-se na perda da independência do país, que ficou sob jugo espanhol e começou a ser regido pelo seu tio, Filipe II (1527-1598).
Foi, assim, neste contexto histórico que se originou e se desenvolveu um mito bastante peculiar, o qual refletiu tanto a tentativa de preservar a integridade geográfica e política de Portugal, como a identidade da nação portuguesa. Na verdade, mesmo quando o suposto corpo de D. Sebastião foi trasladado de Ceuta para Portugal, em 1582, o povo português manteve-se firme na crença de que o seu rei ainda estava vivo e de que regressaria numa manhã de nevoeiro, montado num majestoso cavalo branco. Deste modo, restituíra ao país a sua dignidade e os seus tempos áureos.
Acresce ainda o facto de que, por esta altura, um sapateiro de nome Bandarra (1500-1556), “um dos mestres da alma nacional portuguesa”[1], fomentou ainda mais a crença do povo devido às profecias que se entretinha a tecer. Baseadas no Antigo Testamento, as suas trovas proféticas não só anteviam o regresso do “Desejado” el-rei D. Sebastião, como também a Restauração de 1640 ou a instauração do Quinto Império.
De facto, foi exatamente o fervor sebastianista que influenciou várias classes sociais a revoltar-se umas décadas depois, no dia 1 de dezembro de 1640, o que culminou na restauração da independência de Portugal e D. João IV (1604-1656) subiu ao trono.
Neste sentido, o povo viu no rei D. João IV uma salvação para a pátria através da sua legitimidade ao trono, o que fez com que a crença no retorno de D. Sebastião serenasse no país. No entanto, a simbologia do mito sebastianista, daquele que vive na lenda e que simboliza o sonho, ficaria para sempre no espírito dos portugueses.
Efetivamente, foram vários os homens de letras que, ao longo dos tempos, reelaboraram o mito sebastianista. Em primeiro lugar, foi Padre António Vieira (1608-1697) quem, partindo do mito do sebastianismo, formulou o mito cultural do Quinto Império. Em segundo lugar, Almeida Garrett (1799-1854), no texto dramático «Frei Luís de Sousa» (1844), salientou o modo como o mito (simbolicamente representado pelo regresso de D. João à pátria) alimenta o conflito vivido pelas personagens. Por último, no século XX, apesar do tom nostálgico e melancólico que perpassa a obra «Mensagem» (1934), Fernando Pessoa (1888-1935) relembrou a capacidade de voltar a sonhar, pois D. Sebastião é a força que vive na memória do povo. Parafraseando Pessoa, se o país perdeu a sua grandeza com o desaparecimento do “Desejado”, então só voltará a obtê-la com o seu regresso simbólico, abrindo, assim, caminho para a construção do Quinto Império.
Nos dias de hoje, mais de 400 anos após o desaparecimento do rei D. Sebastião, o mito perdura e continua a fascinar as mais variadas gerações. As mais recentes, a título de exemplo, tendem a alimentar a crença de que Portugal poderá vencer o marasmo económico no qual se encontra mergulhado e recuperar o brio e a glória dos tempos passados. Outras alimentam-se do mito simplesmente para, a nível intelectual, (re) pensar a noção de pertença, de identidade. Afinal, ainda segundo Fernando Pessoa, “o sebastianismo é o único movimento profundamente nacional que tem havido entre nós.” [2]
References:
[1] Pessoa, Fernando. Obra Poética e em Prosa. Vol. III. Porto: Lello & Irmão, 1986
[2] idem
Baños-Garcia, Antonio V. D. Sebastião Rei de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2006