A vítima não é fatal, mas o acidente que a vitimou (L. Garcia, Manual de Redação e Estilo: O Globo, 1996). Fatal é o que matou, não quem morreu. O doente não foi fatal, mas a doença que o vitimou. Assim, se diz: doença fatal, caso fatal de shistossomose, veneno fatal, cirurgia fatal, reação alérgica fatal.
Do latim fatalis, do destino, funesto, mortal; de fatum, predição, oráculo, destino, fado, destino infeliz, desgraça (A. Ferreira, Dic. de Latim Português, 1996). Conforme se lê no Houaiss (2009) e em outros dicionários, fatal significa que é inevitável; que ocorre como se fora determinado pelo destino; que põe termo, que mata; funesto, mortal; que leva à infelicidade, à ruína; que é desastroso, nefasto; que prenuncia ou faz prever desfecho trágico ou funesto.
“Fatal significa mortífero, que causa morte, que traz ruína ou desgraça. Por isso, é inadequada a expressão “vítima fatal”: “a vítima recebe a morte e não a produz. Fatal é um golpe, um tiro, um acidente, uma pancada, um choque e nunca a vítima” (E. Martins Filho, Manual de Redação e Estilo: O Estado de São Paulo, 1976).
“Fatal quer dizer que mata. A pessoa que perde a vida não mata. Morre. O acidente sim, mata, ele é fatal” (D. Squarisi, Dicas de Português, Correio Braziliense, 25-5-2011, p. 5).
O uso de “vítima fatal” no sentido de vítima morta é comum, sobretudo no linguajar jornalístico, o que se tornou fato da língua e legitima seu uso. De fato, o Dicionário Aulete On-Line dá fatal como primeiro sentido, o denotativo: “Que tem como consequência a morte, que leva à morte (tiro fatal, acidente fatal)”. Em segundo sentido, denotativo: “A quem sobreveio a morte (vítima fatal)”. Em terceiro sentido: “Determinado pelo destino ou fado”. Em quarto sentido: “Impossível de ser evitado; inevitável”. Nos dicionários de língua portuguesa, a denotação é registrada no início do verbete e a conotação, se houver, vem depois (Giacomozzo e cols. Dic. de Gramática, 2004, p. 97).
Tendo em vista o sentido denotativo e o conotativo criarem duplo sentido ou ambiguidade, um vício de linguagem, capítulo constante nas gramáticas escolares, é oportuno refletir a respeito. “Para o homem de ciência, para o homem de laboratório, tão exato e preciso deve ser o raciocínio quanto exata e precisa a expressão falada ou escrita em que ele se exterioriza; o descuidado, o confuso e o impróprio significam certamente o desconcerto e a confusão do pensamento (Clifford Allbutt, apud Plácido Barbosa, Dic. de Terminologia Médica Portugueza, p. 6, 1917). “Nos trabalhos científicos, emprega-se a linguagem denotativa, isto é, cada palavra deve apresentar seu sentido próprio, referencial e não dar margem a outras interpretações” (Maria Margarida de Andrade, Introdução à Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Atlas; 2003, p. 101). “Se a precisão da linguagem é necessária a todos, ela é imprescindível aos pesquisadores e cientistas, já que a imprecisão é incompatível com a ciência” (Saul Goldenberg, Publicação do Trabalho Científico: Compromisso Ético. Acessível em http://metodologia.org/wp-content/uploads/2010/08/saul_etica.PDF p. 5, consultado em 16-1-2015).
Então, em linguagem científica formal, em que a clareza e a precisão são importantes qualidades de redação, recomenda-se usar fatal em seu sentido próprio. Assim, em lugar de “vítima fatal do acidente”, pode-se dizer: fatalidade, vítima morta por acidente fatal, vítima falecida ou apenas vítima de acidente fatal.
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