O Estrangeiro, publicado em 1942, é o romance mais reconhecido do autor Albert Camus (Nobel da Literatura em 1957). Conta a história de Mersault, um homem que vive na periferia das emoções e que assina a sua condenação por assumir nada mais do que verdade.
A obra-prima de Albert Camus
O Estrangeiro foi publicado por Albert Camus em 1942 e, desde então, foi traduzido em mais de quarenta línguas e adaptado ao cinema pelas mãos do realizador italiano Luchino Visconti, em 1967.
O absurdo de Camus
O Estrangeiro integra, a par do ensaio O mito de Sísifo e da peça de teatro Calígula, o denominado “ciclo do absurdo” de Albert Camus. O absurdo, conforme o vê Albert Camus, começa no facto de o Homem não conseguir atribuir nenhum significado à sua existência num mundo, ele próprio, absurdo. Para o escritor, a única verdade que o Homem pode seguir num mundo absurdo é a consciência das limitações da sua vivência e a revolta perante esta condição.
A história de O Estrangeiro
O romance O Estrangeiro está dividido em duas partes distintas: uma primeira, em que o leitor se familiariza com o personagem principal, Mersault, e toda a sua indiferença perante a vida; uma segunda parte, em que se acompanha o julgamento de Mersault, após o crime que comete.
O romance é iniciado com a notícia da morte da mãe e consequente ida de Mersault ao funeral. Este é um episódio fulcral para o desenrolar dos acontecimentos, já que tornaremos sempre a ele: o facto de Mersault não exprimir emoções neste dia irá virar-se contra si, mais tarde, quando enfrenta um julgamento. Questionado sobre este dia, o estrangeiro responderá: “Os meus impulsos físicos condicionam frequentemente os meus sentimentos”.
Após o dia funeral, conhecemos a rotina de Mersault, que ele próprio nota não ser transformada após a morte da mãe. Para ele, tudo se mantém igual ao que era. Acompanhamo-lo na relação com Raymond, um vizinho de comportamentos discutíveis; acompanhamo-lo nas suas interações com Mary e, principalmente, na indiferença com que vê este relacionamento – casar ou não casar, para Mersault, é igual; acompanhamo-lo no trabalho, desprovido de qualquer motivação ou desafio. O leitor vai descobrindo Mersault até ao episódio em que, após um conflito com um grupo de homens árabes na praia, dispara sobre um deles. Cinco tiros.
A partir de então assistimos ao seu julgamento que, num completo absurdo, faz notar que a procura, por parte das instituições, da verdade e da justiça, constitui um falhanço. No decorrer do processo, o leitor percebe que é a moral de juízes, advogados e padres, e a ética da sociedade, que direcionam uma justiça que deveria ser tudo menos tendenciosa. Durante o processo de acusação, tornamos frequentemente ao dia do funeral da mãe, em que Mersault não chorou a sua morte – este episódio surge como prova derradeira da insensibilidade do protagonista, assumindo maior relevo do que os próprios disparos contra o homem árabe (há uma inversão na escala de gravidade dos acontecimentos que denota a natureza tendenciosa do sistema de justiça e de quem nele participa).
Quem é Mersault, o Estrangeiro?
Mersault é a personagem principal desta obra-prima de Albert Camus. É um homem absolutamente franco, um estrangeiro às regras do sistema. Vive à sua vida como se fosse um contínuo de episódios, todos eles valendo por si mesmos, sem um significado ulterior. Mersault é movido por desejos momentâneos, sensações fugazes e instintos físicos. Está ciente da pequenez da sua vida – e da dos outros. Ao não atribuir um significado maior à vida, Mersault retira também o valor e a moral aos seus atos, pois nenhum corre atrás de um significado final – cada momento integra em si um final específico, sem réplicas. Desta forma, compreende-se a razão pela qual não reage à agressão de Raymond para com a sua amante; compreende-se o seu desapego perante Mary e, inclusivamente, a naturalidade com que mata o árabe desconhecido na praia – há uma amoralidade subjacente à sua vivência, que se torna evidente pelo facto de Mersault se negar a mentir e a dizer mais do que sente ou pensa (como todos fazem, segundo ele, para facilitar a vivência em sociedade).
Mersault despe a vida de ornamentos, assumindo a sua crueza. É, nas palavras do próprio Camus, “um homem que, sem nenhuma pretensão heróica, aceita morrer pela verdade”.
References:
CAMUS, ALBERT (2003), O Estrangeiro, Coleção Mil Folhas.