Hibridização
Introdução
Por hibridização compreende-se a fusão de fenómenos até então tidos como diferentes e separados, ou, por outras palavras, o modo como as formas extravasam as práticas existentes para se recombinarem em novas formas.
Os antropólogos que estudaram a difusão dos costumes e produtos alimentícios, demonstraram que as fundações humanas são inerentemente mescladas, foi a mistura é intrínseca à evolução da espécie humana. Por outras palavras, a história lê-se metaforicamente como uma colagem, sendo a hibridazação uma camada que envolve o pré-colonialismo, o colonialismo, e o pós-colonialismo, tendo cada uma destas dimensões o seu próprio conjunto híbrido. Sobrepostos às profundas camadas acumuladas com o tempo evolucionário, estão os episódios históricos das longas distâncias percorridas nas trocas culturais e conquistas.
Um ponto de vista apoiado na economia política auxilia na identificação de vários tipos híbridos na história, uma vez que a hibridização nos modos de produção deu azo a formações sociais mixas, e também combinações como a caça recolectora e pastoralista com a agricultura e a indústria, ou o artesanato e a indústria. Os modos híbridos de regulação económica incluem o mercado social na Europa e Escandinávia, e o socialismo de mercado chinês, sendo o resultado a combinação de diversos princípios organizacionais na economia.
Este tema corresponde a um mundo preenchido por uma comunicação intercultural intensiva, pelo multiculturalismo, a migração crescente e as diásporas, e a erosão das fronteiras em esferas antigamente circunscritas. Consequentemente, a hibridização tornou-se numa problemática proeminente nos estudos culturais, sendo que as novas formas híbridas constituem os indicadores das profundas mudanças em curso devido à mobilidade, a migração, e ao multiculturalismo. Todavia, este fenómeno implica também a reflexão sobre os velhos modelos (existentes ou não) híbridos, pelo que se torna crucial um olhar histórico sobre essas mesmíssimas configurações.
Séculos de osmose cultural entre o Oriente e o Ocidente resultaram em expressões culturais transversais às geografias cristalizadas, sendo que a Europa e as manifestações culturais do Ocidente são, de um modo geral, parte desta complexa rede. Ao contrário do que é muitas vezes suposto nos dias correntes, as contribuições culturais do Oriente foram decisivas para a constituição da Europa que se conhece, sendo que a dominação do Ocidente data apenas do século XIX.
A hibridização, enquanto processo, é tão antiga quanto a história; mas o ritmo das combinações acelerou, e o escopo do fenómeno foi ampliado no despertar de mudanças estruturais maiores como a revolução tecnológica, que autorizou novas formas de contacto intercultural. Logicamente que o processo contemporâneo denominado globalização se associa às novas formas híbridas. Todavia, se a combinação de costumes e práticas é tão antiga como os relatos de Heródoto, a tematização dessas reconfigurações é francamente nova e data da década de 80 do século XX.
Num sentido mais vasto, engloba a ideia de bricolage na cultura e na arte, uma característica bastante presente nos trabalhos dadaísticos. Por sua vez, os surrealistas aprofundaram estas linhas, tendo a psicanálise unificado fenómenos bastante diversos como sonhos, piadas e símbolos, sob o rótulo de novos diagnósticos relevantes para a psicologia.
Ainda que em si a hibridização possa parecer banal, a contribuição crítica da temática é o questionamento das fronteiras tomadas como inamovíveis. Na mesma senda, é decisiva por representar uma das três abordagens centrais à globalização e cultura: a primeira ideia prende-se com a tendência da homogeneização cultural; a segunda com a noção de que a globalização envolve o “Choque das Civilizações”; a terceira remete para a hibridização como expressão válida da globalização, produzindo novas combinações e misturas.
References:
Canclini, N. G. (1995) Hybrid Cultures. University of Minnesota Press, Minneapolis.