Introdução
É crucial realizar uma distinção entre a palavra sanscritização, e a sua conceptualização enquanto instrumento sociológico de análise. Em si, a palavra, tendo derivado da raiz “sânscrito”, denominada língua sagrada dos Hindus e do Hinduísmo, conjuntamente com terminologias próximas como “sanscrítico”, “sanscritizado”, e “sanscritização”, já se encontra presente na literatura indológica europeia dos séculos XIX e XX.
Estes termos, de uso variado, descrevem essencialmente a influência bramânica da cultura “Hindu” na sociedade indiana, conhecida pela sua diversidade de castas. Como ideia de interesse histórico, é notável que embora a conceptualização tenha sido justamente atribuída ao eminente antropólogo social indiano M. N. Srinivas, o termo já fosse usado pelo historiador, sociólogo e economista Benoy Kumar Sarkar na década de 30 do século XX, e pelo linguista Suniti Kumar Chatterjee na década de 50 do mesmo século.
Tal como foi formulada por Srinivas, a palavra sanscritização conota por vezes uma perspectiva, uma teoria, um conceito ou um conjunto de conceitos, que se revelam não só relevantes para a teorização da mudança social na Índia, como também firmemente incorporados no modelo antropológico da sociedade indiana. Apesar da história sinuosa do conceito, este é provavelmente o contributo mais rico na investigação em ciências sociais na Índia, e um bom candidato ao título de categoria específica de análise “indígena”.
História
O conceito sanscritização apareceu primeiramente na obra de Srinivas intitulada Religion and Society Amongst the Coorgs of South India (1952), ainda que o gérmen da ideia se encontre presente no trabalho prévio nomeado Marriage and Family in Mysore (1942). Já durante este período surgiram as primeiras críticas ao conceito, principalmente de figuras das ciências sociais indianas como Datta Majumdar, Karve, e Raghavan. Não obstante este desafio inicial, o termo foi abraçado pela secção composta por sociólogos indianos e ocidentais, e antropólogos, e visto como o conceito capaz de problematizar a singularidade e peculiaridade da situação da estrutura social da Índia.
Todavia, durante 1950, o próprio Srinivas concordou que o termo era inestético, embora valioso na análise da mudança social na Índia.
No primeiro livro publicado em 1942, Srinivas tinha já observado um processo que subsequentemente nomearia e definiria no livro de 1952 sobre os Coorgs. De acordo com a primeira definição sugerida por Srinivas, o processo de sanscritização referia-se à ascensão de uma classe baixa de determinada comunidade, durante certas gerações, para uma posição superior na hierarquia, somente possibilitada pela adopção do vegetarianismo e abstenção de bebidas alcoólicas, e pela sanscritização dos rituais: isto é, não só pela incorporação dos ritos, mas também as crenças dos brâmanes.
Na obra Caste in Modern India (1965), o seu argumento expande-se para incluir o campo dos valores e ideias, assim como as práticas rituais que sempre encontraram expressões frequentes no vasto corpo da literatura sânscrita sagrada ou secular. Finalmente, com o título Social Change in Modern India (1967), Srinivas disponibilizou uma definição integrada do termo, pelo que a sanscritização passa a ser um processo à luz do qual uma casta hindu inferior, ou tribo ou outro grupo, altera costumes, rituais, ideologias e mundividências, para desse modo elevar-se a uma casta superior.
Srinivas admitiu que este processo não deve ser compreendido como singular ou monolítico, mas sim como plural, dada a variabilidade regional, quer dizer, uma vez que vários modelos de sanscritização eram possíveis de ser observados e analisados.
References:
Charsley, S. (1998) Sanskritization: The Career of an Anthropological Theory. Contributions to Indian Sociology (n.s.) 32(2): 527 49.