Dick (paciente de M. Klein)
De 1929 a 1946, Melanie Klein (1882-1960) analisou um menino de 5 anos com aquilo que parecia ser um autismo com um atraso de 4 anos no desenvolvimento geral. Dick era uma criança que apresentava uma problemática a nível do sentimento e dos afetos. Quase nunca manifestava angústia. Era indiferente à mãe e à ama, às suas ausências ou presenças. Não apresentava qualquer interesse pelas coisas ou pelas pessoas à sua volta. Não manifestava qualquer desejo. Não falava, emitia sons que ninguém compreendia e apesar de conhecer bem as palavras e de as pronunciar corretamente pouco as utilizava. Quando fazia uso destas era de forma negativa, deformava-as ou as repetia insistentemente. Não tinha qualquer intenção de ser compreendido. Sem sensibilidade à dor, não sentia necessidade de se confortar.
Os únicos objetos que lhe suscitavam interesse eram objetos concretos e bizarros: puxadores de portas. Também gostava de brincar com comboios e as suas gares. Durante a análise desta criança, Melanie Klein analisou os seus poucos interesses. Defendeu que os comboios eram testemunho de um fantasma de coito com a mãe, isto é, um fantasma genital de um ego desenvolvido precocemente que levou à inibição do desenvolvimento do ego de Dick.
A fantasmatização e o processo simbolização foram interrompidos e o desenvolvimento de Dick ficou comprometido. Este fantasma poderia ainda traduzir aquilo que a autora defendeu como desejo excessivo que o menino sentiu contra o corpo da mãe e os seus conteúdos. Esse desejo foi radicalmente rejeitado por esta ultima e tal produziu uma ausência de angústia e de relação afetiva com as coisas. A intervenção da autora foi no sentido de retomar o processo de simbolização que foi bloqueado no caso de Dick, desde cedo. Este menino quase que exclusivamente funcionava a partir de equações simbólicas.
Segundo a autora, existem dois modos de funcionamento do aparelho psíquico: as equações simbólicas e as representações simbólicas. A equação simbólica define-se pela ligação concreta entre o objeto e o seu representante, sendo pois que o individuo pensa através de objetos concretos, sem qualquer para-excitação e/ou proteção contra os estímulos do mundo interno ou do mundo externo. A representação simbólica define-se pela ligação simbólica entre o objeto e os seus representantes através de símbolos, sendo pois que o individuo pensa através de símbolos, possibilitado a para-excitação e/ou proteção contra os estímulos do mundo interno ou do mundo externo.
Além o processo de pensamento ser fundamentalmente através de equações simbólicas, pensamento característicos das psicoses graves, as equações simbólicas em Dick, não resultavam do jogo imaginário de alternância entre a expulsão-projeção e a introjeção, havia um esboço de imaginário limitado. A única simbolização aberta a Dick era a do vazio, do escuro. Este tinha-se refugiado no fantasma do corpo materno vazio e escuro.
Segundo Melanie Klein, as equações simbólicas, sob pressão da angústia, tendem a estender-se e a alargarem, as pulsões de destruição manifestam-se e as relações, na contenção e significação, enriquecem-se e o édipo surge. Em Dick, não houve espaço para existir, não houve afirmação primordial, isto é, não houve oportunidade para esta criança poder fazer uso das primeiras simbolizações através do uso pleno dos seus desejos de destruição.