Falsa Consciência

A falsa consciência é um conceito teórico que pertence ao corpo de escritos marxistas, referindo-se às circunstâncias ou estados de consciência à luz dos quais os trabalhadores sustentam visões antagónicas aos interesses objetivos de classe.

Introdução

A falsa consciência é um conceito teórico que pertence ao corpo de escritos marxistas, referindo-se às circunstâncias ou estados de consciência à luz dos quais os trabalhadores sustentam visões antagónicas aos interesses objetivos de classe. Esta consciência não subjetiva sucede organicamente entre os trabalhadores; é antes imposta pela ideologia dominante da classe capitalista. A falsa consciência e a consciência de classe encontram-se intimamente associadas: ao passo que a consciência de classe denota a perceção dos trabalhadores face à sua posição histórica e permite a transformação da sociedade, a falsa consciência denota a inaptidão dos trabalhadores em reconhecerem a sua posição e iniciarem a transformação da sociedade. Devido aos cambiantes elitistas e à visão negativa dos trabalhadores como ingénuos, o conceito de falsa consciência frequentemente ofende as sensibilidades democráticas modernas. Não é somente este o único aspeto criticável do conceito, considerando que o termo prima pela verdade objetiva, ideia esta há muito debaixo das linhas de fogo da pós-modernidade. Talvez esta arrogância intelectual indissociável do conceito tenha provocado o seu desuso entre os sociólogos.

 

História

Ao que parece, o conceito de falsa consciência foi cunhado originalmente por Friedrich Engels, sendo que é inexistente a evidência de que a sua criação tenha a presença do génio de Karl Marx (Eagleton, 1991). A primeira aparição impressa do termo encontra-se numa carta de Engels enviada a Franz Mehring em 1893 (Tucker, 1978). O conceito, tal como se encontra aprimorado nas cartas e escritos tardios de Engles, enraíza-se na obra clássica de Marx e Engels intitulada A Ideologia Alemã. Ainda que os teóricos tenham debatido se Marx teria aceite o termo preciso falsa consciência, o conceito encontra-se proximamente entrelaçado na noção de ideologia dominante, postulada por Marx, e acaba por ser útil na compreensão da teoria da mudança histórica. Como é hábito acontecer com inúmeras ideias sociológicas, o significado da falsa consciência tem variado e mudado com o avançar do tempo, isto conforme os teóricos se apropriaram do conceito para renovar a sua fórmula, e consoante estas reformulações acabaram por ser contestadas (Eagleton, 1991).

Engels, por exemplo, tendeu a equacionar a falsa consciência com a ideologia, aplicando o conceito principalmente aos intelectuais e capitalistas, alvos permanentes de Marx e Engels por produzirem retratos distorcidos da realidade. De algum modo idealístico, Marx e Engels tenderam a creditar a classe operária com a liberdade futura das ilusões devido à posição de subordinação à sociedade capitalista. Conscientes de que nem toda a classe operária se encaixava nesta descrição, Marx e Engels fundamentaram que a classe operária era composta não só pelo proletariado, mas também pelo “lumpemproletariado”, elementos estes que falhavam na missão de atuarem como puros revolucionários. Marxistas posteriores como Antonio Gramsci e Georg Lukács, expandiram estas ideias nas respetivas elaborações sobre a falsa consciência.

Para Gramsci, os conceitos de ideologia dominante e falsa consciência são distintos. A falsa consciência refere-se a uma perceção defeituosa por parte dos trabalhadores; por seu turno, a ideologia dominante é compreendida como um sistema de ideias e proposições abraçadas pelos detentores de poder para defenderem os seus direitos, estatutos e regalias. Num esforço para compreender o poder da ideologia capitalista sobre a classe operária, Gramsci examinou os efeitos da cultura e especialmente da religião (partes da superestrutura de Marx) nas ideias e consciência da classe operária. Gramsci argumentou que a dominação hegemónica, suportada e aceita por uma grande parcela populacional, requer que os dominantes produzam o consentimento, e tal é exercido pela sujeição dos oprimidos à falsa consciência. Gramsci acreditava que os movimentos progressivos deveriam reeducar as massas para as libertarem da falsa consciência, sendo o suporte dos trabalhadores perante as reformas políticas e económicas graduais um sinal da falsa consciência, e da incapacidade da classe em reconhecer as suas origens reais e os meios próprios de terminar com a opressão da classe. Assim, uma reeducação genuína ocorreria somente com a iluminação da ideologia marxista, que oferecia uma explicação da exploração e pobreza dos trabalhadores. Para Gramsci, a falsa consciência era sobretudo um problema da classe operária, cuja solução residia na ideologia adversária: o marxismo.

Enquanto Gramsci enfatizou a necessidade da incorporação da ideologia marxista no combate à hegemonia capitalista, Georg Lukács argumentou que a falsa consciência não é intencionalmente manufaturada pela elite burguesa para subjugar o proletariado; ao invés, é um resultado da vida e trabalho numa sociedade capitalista permeada pelas relações de trocas e pelo fetichismo da mercadoria (entenda-se a objetivação não só dos objetos, mas das pessoas em si). Consequentemente, as sociedades capitalistas criam o véu da mistificação que exclui dessa esfera (melhor, guardam para si) o verdadeiro entendimento da ordem social. Funcionando um mundo em que as relações são sobremaneira baseadas nas comodidades, onde os mercados determinam os resultados, e no qual o valor de algo é compreendido como o seu preço na troça e não no trabalho contido, é natural que a falsa consciência seja produzida. Na extensão em que o fetichismo da mercadoria domina, a falsa consciência transforma-se num modo normal de perceção e atua nas sociedades capitalistas, assim ocultando a verdadeira lógica do capitalismo. Ao passo que esta mistificação é benéfica para a burguesia, para a classe operária é maligna. Para Lukács, de um modo que não é totalmente surpreendente, somente a classe operária é estruturalmente capacitada para alcançar a compreensão total/real de si própria e do capitalismo como sistema social, o que é um passo fundamental para a transformação social do sistema numa nova ordem mais racional.

A abordagem de Lukács serviu como um ponto de rutura para os membros da Escola de Frankfurt (Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Erich Fromm). Estes académicos procuraram compreender a ausência estridente da oposição da classe operária durante o crescimento no nazismo na Alemanha de 1930, e argumentaram que uma explicação plena da aceitação da classe operária do regime autoritário nazi, deveria analisar as atividades da classe num contexto que não o local de trabalho, e ser sensível face à dimensão dos impulsos irracionais e das emoções. Desta forma a Escola de Frankfurt tornou mais lato o conceito de falsa consciência, de modo a englobar o Self e as questões identitárias, o que resultou numa crescente dificuldade de se falar de um interesse objetivo de classe, logo, na própria fragilidade do conceito, cenário este que se prolongou com contornos mais extremos com o advento da pós-modernidade.

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References:

Eyerman, R. (1981) False Consciousness and Ideology in Marxist Theory. Humanities Press, Atlantic Highlands, NJ.

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