Cultura Popular

O termo “popular”, do latim populare, denota algo “que se relaciona com o povo, que convém ao povo, feito para o povo; amado pelo povo, agradável ao povo; devotado ao povo”.

Definição Preliminar

O termo “popular”, do latim populare, denota algo “que se relaciona com o povo, que convém ao povo, feito para o povo; amado pelo povo, agradável ao povo; devotado ao povo”. Por outras palavras, tem o povo como sujeito, e este consolida o popular através do drama, do desporto e da informação: os sujeitos que recorrem à textualização do popular através de performances e gravações, têm o contraponto na audiência, que recebe e descodifica os textos.

Três tipos de discurso determinam a direção que os sociólogos adotaram perante este tópico: um primeiro discurso centra-se na cultura popular como forma de arte que eleva uma coletividade acima da vida ordinária, transcendendo o corpo, tempo e lugar; o segundo discurso gira em torno na cultura popular como expressão folclórica que compõe parte da existência diária; um terceiro discurso “pop” idealiza a diversão, a oferta da transcendência à luz do prazer, mas sempre com o quotidiano como referência (Frith, 1991).

Por sua vez, o conceito de “cultura” deriva do latim cultura, denota “cultura em geral; a agricultura; fig., cultura (do espírito da alma); ato de cultivar alguém, de lhe fazer corte; ato de honrar, de venerar, culto”. Com a emergência do capitalismo, a cultura incorporou o instrumentalismo ao mesmo tempo que o abjurou devido à industrialização da agricultura por um lado, e à cultivação do gosto individual por outro lado (Benhabib, 2002: 2). Tem-se compreendido habitualmente a cultura de acordo com dois registos: através das ciências sociais e através das humanidades – verdade contra beleza. Esta foi uma distinção heurística realizada no século XVI (Williams, 1983: 38), mas tornou-se cada vez mais substancial conforme o tempo progrediu. A cultura agora delimita diferenças e semelhanças no gosto e estatuto entre os grupos, e é explorada interpretativa ou metodologicamente. Atualmente, as humanidades, as peças de teatro, os filmes, a televisão, a rádio, a arte, a literatura, a música e a dança são dimensões julgadas através de um critério de qualidade emoldurado na prática da crítica cultural e da história. Do seu lado, as ciências sociais concentram-se nas linguagens, religiões, costumes, tempos, e espaços de diferentes grupos, explorando estas expressividades humanas etnográfica ou estatisticamente. Por conseguinte, as humanidades articulam as diferenças dentro das populações através de normas simbólicas, ao passo que as ciências sociais articulam as diferenças entre populações através de normas sociais (Wallerstein, 1989; Bourdieu, 1984).

 

Conjugação e Problematização

Enumerados os primeiros contornos conceptuais, o que acontece quando o “popular” e a “cultura” se fundem como efeito da comercialização mundial que unificou as duas dimensões? A cultura popular relaciona-se obviamente com o mercado. A economia neoclássica assumiu que as expressões de desejo e a capacidade de se pagar por serviços, estimulariam a provisão quanto ao que seria “popular”. O valor é decidido através da competição entre fornecedores que obtêm o favor dos consumidores, sendo que a conflitualidade racional dos partidos produz o que tem ou não valor para a sociedade. Assim, a conexão do mercado do lazer com novas identidades conduz a uma extensa variedade de reações sociológicas. Durante a Revolução Industrial, ansiedades quanto a uma população subitamente industrializada e educada, fez crescer a temeridade perante a possibilidade de uma “ditadura rural” (Pufendor, 2000: 144). Tanto os teóricos da esquerda como da direita argumentaram que um público recentemente letrado seria vulnerável à manipulação dos demagogos, uma vez que a emergência do ensino público no ocidente teve como projeto disciplinar a classe operária.

O principal teórico da cultura popular foi Antonio Gramsci, cujo ativismo contra Mussolini durante 1920 e 1930 se tornou num exemplo ético para os intelectuais progressistas. Gramsci perseverou na ideia de que cada grupo social cria organicamente, um ou mais estratos de intelectuais que não só homogeneízam esse núcleo social singular, como também indicam a sua apreensão crítica para com a esfera económica, social e política. Estes “intelectuais orgânicos” que cada nova classe cria e elabora no curso do seu próprio desenvolvimento de classe, auxiliam na emergência dessa classe, através da perícia militar por exemplo. Os intelectuais operam na sociedade civil, que denota o conjunto de organismos comummente denominados como “privados”, quer dizer, “a sociedade política” e o “Estado”. Por sua vez, esta “esfera privada” é constituída pelos grupos hegemónicos, que exercem a dominação da sociedade assim como a dominação direta através do Estado ou do direito. Os indivíduos ordinários dão o seu consentimento espontaneamente (Gramsci, 1978). A ideia contracorrente, que consiste no facto das indústrias culturais colocarem um mesmo selo sobre tudo, deriva de Adorno e Horkheimer (1977), membros da escola de Frankfurt, e grupo de académicos antinazis que escreveu por volta do mesmo período que Gramsci. Adorno e Horkheimer entendiam que os consumidores eram manipulados pelos agentes situados no topo amplexo da produção. O domínio mascarava a escolha numa sociedade alienada de si própria: confundia-se o livre-arbítrio com a coerção, e a cultura tornava-se meramente em mais um processo industrial, subordinado às forças dominantes da economia dentro da sociedade, cuja ideologia primava pela estandardização.

Ainda que muito deste desencantamento seja partilhado por mentes mais conservadoras, para alguns sociólogos funcionalistas, a cultura popular representa o auge da modernidade. Ao invés de encorajar a alienação, a cultura popular está relacionada com a expansão da sociedade civil, o momento da história em que o Estado se torna recetivo à, e parte de a, comunidade geral. Assim, a população pertence agora ao social, ao invés de ser excluída dos meios e políticas do cálculo político.

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References:

Adorno, T. W. & Horkheimer, M. (1977) The Culture Industry: Enlightenment as Mass Deception. In Curran, J., Gurevitch, M., & Woollacott, J. (Eds.), Mss Communication and Society. Edward Arnold, London, pp. 349  83.

Benhabib, S. (2002) The Claims of Culture: Equality and Diversity in the Global Era. Princeton University Press, Princeton.

Gramsci, A. (1978) Selections from the Prison Notebooks of Antonio Grmasci. Trans. Q. Hoare & G. Nowell-Smith. International Publishers, New York.

 

Sugestões Bibliográficas

Bourdieu, P. (1984) Distinction: A Social Critique of the Judgement of Taste. Trans. R. Nice. Harvard University Press, Cambridge, MA.

Frith, S. (1991) The Good, the Bad, and the Indifferent: Defending Popular Culture from the Populists. Diacritis 21 (4): 102  15.

Pufendorf, S. (2000) On the Duty of Man and Citizen According to Natural Law. Trans. M. Silverthorne. Cambridge University Press, Cambridge.

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