Pelo conceito de deferência entende-se a concessão de influência, estima, ou simplesmente, o direito preferencial de passagem entre um conjunto de entidades pessoais ou impessoais. Quando um indivíduo defere, o interesse é para com o sujeito com quem o primeiro está a interagir. Deste modo, a deferência é um elemento necessário numa relação em que convergem estatutos semelhantes ou discrepantes, e caracteriza largamente a porção de interações entre amigos pessoais, pessoas íntimas, e membros familiares.
A deferência é decisiva enquanto conceito no programa sociológico iniciado com Berger, Cohen e Zelditch em meados dos anos 60, uma vez que abrange com notável eficácia as características estatutárias e estados expectantes: os grupos de indivíduos que formam uma coletividade laboral em direção à melhor solução de uma tarefa, comportam-se de formas que, vistas externamente, parecem hierarquicamente estruturadas. Consequentemente, algumas pessoas expressam-se mais do que outras, ou têm direito a um maior grau de atenção, ou, o sumo desejo, são mais influentes comparativamente aos outros atores. Contudo, a partir de uma perspetiva interior ao grupo, os atores disputam essa hierarquia, uma vez que no seu entender, a inequalidade não confere os moldes das interações no seio do grupo: assim, os membros de um dado grupo revelam-se notavelmente satisfeitos com o modo como decorrem as interações, e nada desiludidos com as assimetrias. Posto isto, a deferência revela-se um elemento-chave, uma vez que os membros de um grupo se concentram nos sujeitos detentores das ideias que se destacam.
O manifesto problema com este processo, é que o pretexto da deferência se enquadra num esquema de estatutos classificado consoante a idade, o sexo ou raça, ao invés das aptidões que interessam no desempenho de uma certa função: à luz deste postulado, as relações acabam integralmente por se revelarem injustas e ineficientes, independentemente do sentimento de pertença de um membro no processo de constituição grupal.
Consideradas estas notas preliminares, não é de estranhar que a deferência seja a medida variável frequentemente mais dependente nas pesquisas sobre as características inerentes aos estatutos individuais. Para Kemper (2000), a deferência é o que distingue o estatuto das relações de poder em dadas interações: nas relações entre estatutos diferentes, os membros situados na base deferem perante os membros que se situam no topo; em relações de poder ou coercivas, o ator que possui pouco poder, responde ao ator poderoso porque a tal é obrigado. Já Scheff (1988) argumenta que a conformidade é prevalente em inúmeras interações, conduzindo a um estado de controlo normativo, uma vez que os indivíduos deferem perante as normas e expectativas concebidas por outros de modo a evitarem um sentimento de humilhação. Por último, em Goffman (1959), os rituais de interação envolvem invariavelmente atitudes deferenciais: as interações entre os que são familiares ou desejam sê-lo são suaves, ao passo que as perturbações são minimizadas por padrões que englobam diversos modos de deferências no âmbito dessas relações; pelo que a deferência surge sob as vestes de um interesse que se manifesta em certas elucubrações ou gestos corporais, sendo a interação, de um modo geral, facilitada.
Terminando, a deferência só se presta num quadro de relações entre pessoas, individual ou coletivamente, sendo que o objeto de deferência pode ser outra pessoa, um objeto, uma ideia, ou uma entidade imaginada. Assim, não é de todo invulgar a deferência perante pessoas estranhas, uma lei, Deus, ou símbolos como a bandeira de um país. As gramáticas corporais podem incluir a remoção do chapéu numa sala de audiência de um tribunal, o ajoelhar perante um altar, ou um momento de silêncio pela memória de dada pessoa ou evento. Vista nestes moldes, a deferência é um processo central que culmina na solidariedade social.
References:
Berger, J., Cohen, B. P., & Zelditch, M., Jr. (1972) Status Characteristics and Social Interaction. American Sociological Review 37(3): 241 55.
Goffman, E. (1959) The Presentation of Self in Every day Life. Anchor Books, New York.
Kemper, T. D. (2000) Social Models in the Explanation of Emotions. In: Lewis, M. & Haviland-Jones, J. M. (Eds.), Handbook of Emotions, 2nd edn. Guilford Press, New York, pp. 45 58.
Scheff, T. J. (1988) Shame and Conformity, the Deference-Emotion System. American Sociological Review 53(3): 395 406.