O relato, tal como o uso sociológico ordinário do termo exemplifica, refere-se a declarações que explicam as perturbações na ordem social e moral. Neste sentido, o relato é um “dispositivo linguístico” através do qual o ator social tenta se reposicionar, face às imputações de desvio ou incumprimento, como um indivíduo socialmente aceitável e detentor de reputação moral. Reconhece-se a aplicação do conceito de relato já nos escritos de C. Wright Mills, ou, de modo geral, nos ensaios de Erving Goffman; mas o termo só adquiriu uma notável sensibilidade sociológica a partir de um ensaio de Marvin Scott e Sanford Lyman intitulado “relatos” (1968).
A análise do relato tem gerado uma tradição vívida de investigação sociológica, ainda que essa tradição seja de carácter deveras particular. À exceção de alguma pesquisa conduzida por académicos afiliados aos estudos de comunicação e não tanto à sociologia, a análise do relato tem originado poucas proposições testáveis e pouca pesquisa quantitativa. Ao invés, o relato tem servido mais como conceito sensibilizador, alertando os investigadores para um tipo de análise que pode ser articulado entre vários subcampos do saber sociológico entre outras ideias substantivas, como o direito, o casamento, o bem-estar social, a doença e o emprego. Embora estas aplicações possam ser classificadas conforme um vasto leque de modos, as duas formas mais úteis giram em torno da seguinte díade: em primeiro lugar, quais os termos das circunstâncias que despoletam um relato; em segundo lugar, quais os objetivos que um relato atinge na interação social.
Desde meados da década de 80, o conceito de relato possibilitou a base ao intimamente relacionado conceito de narrativa, uma vez que, em certos planos, relatos e narrativas referem-se a fenómenos símiles. Tanto o relato como a narrativa são modos primários de fala, e ambos apelam para a importância da produção social de significados adicionalmente aos comportamentos. Consequentemente, tanto o relato como a narrativa se revelam instrumentos fundamentais na negociação da identidade social.
Por outro lado, ainda que não se possa estabelecer uma distinção rigorosa entre relatos e narrativas, os dois termos são tipicamente aplicados distintamente, pelo que a narrativa, com forte ressonância na teoria literária, é um conceito mais geral do que relato, e também possessor de uma história variada e complexa, pelo que os sociólogos tendem a tratar os relatos como objetos de análise, enquanto as narrativas são tratadas como objetos e modos de análise: portanto, sociologicamente o relato é associado a declarações produzidas em contextos rigorosamente limitados, ao passo que a narrativa é associada a asserções amplas ou histórias longas, que articulam contextos diversos. Analogamente, o relato tem como referente a perturbação de uma ordem social particular, enquanto a narrativa diz respeito a uma história produzida sob uma variedade de circunstâncias, incluindo o esforço putativamente espontâneo de criação e expressão de significado, mesmo na ausência de um “outro” identificável que exija tal história. Por este motivo, a análise do relato concentra-se habitualmente nas estratégias de interação social, particularmente nos esforços articulados por um agente de modo a evitar a culpa social. Já a análise da narrativa, decorre frequentemente nos aspetos culturais mais expressivos ou no efeito de formas culturais como a estrutura de um enredo. Finalmente, o relato refere-se regularmente ao esforço de reparação da ordem moral, e a narrativa é compreendida como implicando resistência e restituição.
References:
Orbuch, T. L. (1997) People’s Accounts Count: The Sociology of Accounts. Annual Review of Sociology 23: 455 78.
Polingthorne, D. (1988) Narrative Knowing and the Human Sciences. State University of New York Press, Albany.
Scott, M. B. & Lyman, S. (1968) Accounts. American Sociological Review 33: 46 22.