Entende-se habitualmente por religião civil, as crenças culturais, práticas e símbolos que relacionam uma nação com as condições últimas da sua existência. Esta ideia encontra-se notavelmente exposta no Contrato Social (1762) do filósofo francês Jean Jacques Rousseau. Nesta obra, escrita no despertar da guerra religiosa entre católicos e protestantes, Rousseau defendeu a necessidade de um “sentimento social” exterior à religião organizada, sem o qual o homem seria capaz de ser um cidadão digno ou um sujeito fidedigno. A questão ampla que motivou Rousseau concernia sobretudo à legitimidade política como expressão institucional independente das instituições religiosas.
Apesar de não se apoderar do conceito de religião civil, o trabalho de Durkheim intitulado As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912), foi claramente influenciado pela preocupação dos seus conterrâneos com os símbolos partilhados e as obrigações nestes articuladas. Reconhecendo que os antigos deuses estavam a envelhecer e a morrer, Durkheim procurou conceber uma base moderna para a renovação dos sentimentos coletivos, indispensável às sociedades na preservação da coesão social.
Não obstante, o conceito de religião civil só será oficialmente formulado no influente ensaio de 1976 de Robert Bellah, intitulado “Religião Civil na América”. É partir desta tematização que o conceito, na sua matriz rousseauniana e durkheimiana, emerge na sociologia contemporânea. Em linhas muito simplificadas, o argumento de Bellah defende que a religião civil existe a par, sendo crucialmente distinta, da religião eclesial: aliás, acaba por ser atualmente uma dimensão religiosa da sociedade, característica da república americana desde a sua fundação. É dito que a religião civil é uma compreensão da experiência americana à luz de uma realidade última e universal, e que pode ser encontrada nas inaugurações presidenciais de Washington a Kennedy, em textos sagrados como a Declaração da Independência, ou em rituais comunitários. As manifestações da religião civil acabam por ser especialmente evidentes em períodos de julgamento de uma nação, como na Revolução Americana ou durante a Guerra Civil.
Como Rousseau e Durkheim, Bellah viu a legitimação como um problema enfrentado por cada nação existente, e a religião civil como uma solução – desde que submetida às condições sociais adequadas, isto é, justas. No ensaio, claramente nomeado na senda de William James, Variedades da Religião Civil (1980), Bellah argumentou que nas sociedades pré-modernas, a solução consistiu tanto na fusão do religioso com o político (no período arcaico), como na diferenciação, mas não separação das duas esferas (no período histórico que diz respeito à modernidade inicial). Por conseguinte, a religião civil conhece a existência própria somente no período moderno, quando a igreja e o Estado são separados e estruturalmente diferenciados. Pela posição estrutural relativa à igreja e ao Estado, a religião civil atua não só como uma fonte de legitimação, mas também como um juízo profético. Sem a noção de que as nações se encontram sob o jugo de um julgamento superior, argumenta Bellah, a tradição da religião civil seria deveras extremamente perigosa. Em 1975, Bellah declarou que a religião civil americana se revelou estruturalmente impotente porque falhou em inspirar os cidadãos, e atentando que perdeu o seu crivo crítico.
Embora a preocupação de Bellah tenha sido primariamente normativa, o seu ensaio estimulou debates históricos sobre a religião civil americana, assim como novas pesquisas empíricas. Quer o futuro destas pesquisas seja orientado em nome da religião civil ou não, o problema fundamental da legitimação religiosa e política subsiste. Futuramente, os sociólogos continuarão o confronto com a questão perante a qual a religião civil é uma resposta apenas, prolongamento uma tradição refletiva iniciada com Rousseau, Durkheim e Bellah.
References:
Mathisen, J. A. (1989) Twenty Years After Bellah: Whatever Happened to American Civil Religion? Sociological Analysis 50: 129 47.