Cultura Sexual Islâmica

Delinear um critério unívoco que defina a cultura sexual islâmica é impossível, uma vez que não existe um código uniforme para a conduta sexual nas relações. De facto, existem “sexualidades” e não uma “sexualidade”. Contudo, considerado este aspeto mais complexo, é possível aduzir certas variáveis constantes na ideologia sexual islâmica.

O Islão considera o desejo sexual como um aspeto natural das relações humanas, dissociando a sexualidade da culpa. Observemos como é concebida a sexualidade no Corão (13:3):

 

“E Ele é Quem estendeu a terra

E nela fez assentes montanhas e

Rios. E, de todos os frutos, nela fez

Um par, um casal. Ele faz a noite

Encobrir o dia. Por certo, há nisso

Sinais para um povo que reflete.”

 

Casal neste contexto é entendido como uma criação de Deus, que natureza criou a planta macho e a planta fêmea, para garantirem a fecundação e a reprodução da espécie. Inúmeros versos corânicos (2:183-7; 4:1; 53:45) referem-se à cópula como um desígnio divino para possibilitar a família harmoniosa, um microcosmo da sociedade no qual as pessoas podem levar uma vida pacífica. Por conseguinte, a sexualidade no Islão é de natureza heterossexual, onde as mulheres são o “campo de pastoreio” do homem: o homem é instruído a penetrar a seu agrado esse “campo de pastoreio” (2:223). Por outras palavras, a sexualidade islâmica reflete o género distribuído hierarquicamente, sendo o homem visto como ativo e situado no topo, e as mulheres, crianças, escravos e criados, como passivos e localizados na base hierárquica.

Reconhecida a legitimidade do desejo sexual, e limitada essa expressão de satisfação sexual ao leito nupcial, no Islão o casamento (nikâh) é promovido o mais cedo possível. Ainda assim, o casamento precoce nem sempre é possível. O casamento eleva a relação sexual de um ato de luxo a uma tarefa sagrada, traçando a fronteira entre a ligação sexual legítima e ilegítima, e é uma obrigação que todos os devotos devem cumprir. A restrição da relação sexual ao leito nupcial cria (na teoria) um código sexual e moral restrito: o homem deve demonstrar a sua masculinidade, e ela a sua castidade. Qualquer desvio deste código é entendido como um ato anárquico e uma revolta perante Deus.

A sexualidade islâmica é orientada sobretudo para a procriação. O objeto da relação sexual não é a satisfação do desejo corporal, mas completar uma missão divina (56:59), uma demanda pela harmonia familiar, e pela educação de crianças virtuosas e saudáveis. Mesmo que não resulte imediatamente na procriação, a relação sexual matrimonial satisfaz a missão sagrada ao funcionar como um antídoto contra a tentação da fornicação.

Embora estas constantes ideológicas sejam rotineiramente negociadas e redefinidas na prática social, não obstante, são significantes na definição da sexualidade “normal” e no como os indivíduos devem gerir os seus apetites sexuais. Assim, a sexualidade está intimamente ligada à religião, família, lei e política: o exemplo mais flagrante é a noção de tamkin, segundo a qual, uma mulher financeiramente sustentada pelo marido deve viver onde ele decidir, e servi-lo como ele desejar ou exigir.

Os Estados definem regularmente as expressões eróticas privadas apropriadas à sexualidade apropriada e aos padrões morais aceitáveis. O desvio destas normas sexuais pode ser facilmente atribuído a conspirações estrangeiras com o intuito de desmantelar a religião e o estado.

Este desequilíbrio de poderes no seio da família, compromete severamente os direitos da mulher a consentir ou não certos comportamentos do homem, o que inevitavelmente associa a sexualidade à violência. Normalmente, os rituais de passagem em que o jovem ascende a homem, implicam rituais de violência que implicam a subordinação da mulher: Crimes de honra, castigos por adultério (morte à pedrada), e a mutilação genital feminina – que não se encontram prescritos no Corão –.

Projetos nacionalistas e de modernização conseguiram elevar as mulheres da classe média e alta classe à esfera pública, mas estas tendem sempre a sublinhar a responsabilidade maternal das mulheres, valorizando-as como símbolos nacionais e tradicionais, e levando a novas medidas de controlo sobre a sexualidade feminina. Na Turquia, por exemplo, a castidade da mulher (‘iffet) foi uma componente importantíssima da reconstrução kemalista da identidade turquesa. Em alguns países do Médio Oriente, a castidade de uma estudante é um pré-requisito para o acesso à educação formal. Segundo os ideólogos do Islão, as mulheres são um bastião importante contra os poderes externos: capitalizando a ameaça ocidental ao Islão e Médio Oriente, movimentos islâmicos têm vindo a promover definições restritas de género e sexualidade no papel da mulher, ao atribuírem as mulheres a função de preservarem a cultura “autêntica”.

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References:

Bouhdiba, A. (1998), Sexuality in Islam, London, Saqi Books.

Sabbah, F. (1984), Woman in the Muslim Unconscious, New York, Pergamon Press.

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