Jeremy Bentham foi um filósofo britânico que estudou Direito. Nasceu em 1748 e morreu em 1832.
O axioma fundamental do seu pensamento sustentava-se no princípio da utilidade, pelo que Bentham é respeitado como um pensador prático. A implicação óbvia desta posição prende-se com o desinteresse particular de Bentham perante as questões metafísicas tradicionais. Mas tal desinteresse não era impedimento a uma reflexão sobre a existência das mesmas, pelo que para Bentham, as interrogações metafísicas existiam uma vez que as suposições não conduziriam a más consequências. Para Bentham, a utilidade da metafísica consistia em “conhecer e ser capaz de dar a conhecer certa perspetiva”: o pensar metafísico deve tornar compreensíveis os objetos de análise, pelo que o pensar metafísico consiste numa teoria do significado.
Como o interesse central de Bentham não se compunha de questões abstratas, a tónica ressoava sobre a problemática do Direito. Ironicamente, as profundas investigações de Bentham relativas à natureza do Direito, resultaram numa análise metafísica original, pois entidades legais como a propriedade, os direitos, deveres e leis, tiveram que ser ajuizados: a tarefa seria refletir sobre termos como “direitos” ou “dever”, e a forma respetiva como tais noções adquiriram sentido ao longo da história.
A abordagem tradicional à análise da obrigação ou dever, tal como se encontra em John Locke, consistiria em explicar a mesma análise como referente a uma ideia complexa baseada em ideias simples. Bentham adota parte deste modelo, e defende mesmo que a análise de uma noção deve terminar com a revelação de ideias simples que são, ou referem-se, aos objetos diretos da perceção, fácil e rapidamente compreendidas. As ideias mais proeminentes em tal modelo explicativo, são as ideias de prazer e dor, que segundo Bentham, são imediatamente e universalmente compreendidas por qualquer ser humano.
Contudo, este método não é imune a vulnerabilidades, e a análise direta de conceitos complexos como obrigação e subsequente tentativa de culminar em ideias simples, revelou-se impotente. Para colmatar esta lacuna, Bentham inventou o método denominado como teoria da paráfrase: nesta teoria, o termo a ser analisado é inserido no contexto de uma oração (O Paulo tem a obrigação de…); esta frase inteira é tomada como sendo o equivalente de outra frase, que ainda que destituída do termo obrigação, apresenta termos que se referem a entidades diretamente percecionadas. Por exemplo, sem a presença do termo obrigação em dada oração, podemos ainda assim compreender a presença de sanções se nos depararmos com uma frase do estilo “O Paulo será fisicamente ameaçado se…”. Compreendemos facilmente que o Paulo corre o risco de sofrer dores, e a dor é uma entidade diretamente percetível.
Contrariamente às entidades diretamente percetíveis, isto é, reais, temos as entidades fictícias, como o “direito”, a “obrigação”, o “privilégio”, a “propriedade”, e, já fora do contexto jurídico, a noção de “movimento”, “qualidade”, “necessidade” e “certeza”. Os exemplos de entidades reais não consistem apenas em cadeiras ou mesas, mas também dores.
Já as entidades fictícias, cujo significado pode ser desvendado através de uma análise formulada em termos que são entidades reais, e que, diz Bentham, são essenciais para os propósitos linguísticos e comunicativos, são diferentes de entidades consideradas fábulas. Estas ditas entidades que são fábulas, como Belzebu, Ícaro ou o primeiro Templo de Salomão, não existem simplesmente: ainda que possam ser imaginadas, sem que para tal exercício, seja obrigatória uma correspondência entre o imaginado e o real.
Como contraste deste caso, se se diz que alguém está condicionado por certo dever, apesar de não existir literalmente algo como o “dever”, isto expressa algo que é verdadeiro, uma verdade que só pode ser compreendida quando propriamente analisada em termos de sanções aplicadas a determinada pessoa que decida quebrar esse dever.
References:
Schofield, Philip (2006), Utility and Democracy: The Political Thought of Jeremy Bentham, Oxford, Oxford University Press: 1-27; 51-77.