Contrariamente ao que às vezes é comentado, as sociedades plurais não constituem um fenómeno recente: já existiram cenários plurais em que sociedades distintas na estrutura social, visão do mundo e expetativas éticas se encontraram, como se pode encontrar no mundo Grego, no Império Romano, no Renascimento e na Modernidade. Recentes mesmos são as suas características contemporâneas, sobretudo a sua radicalidade e incidência na vida subjetiva, social e institucional. Por conseguinte, os desafios que dizem respeito às medidas políticas levantam as seguintes questões: como reconquistar a subjetividade? Como gerar a recusa do ser que se torna num ser produzido? Como resistir à homogeneização do sistema? Como compreender a complexidade da realidade? Como renegar a incorporação dos conhecimentos exigidos pela economia de mercado e arriscar um pensamento autónomo? E acima de tudo, como responder a estas interrogações sem esquecer que a sociedade plural é o lugar da alteridade do “outro” como categoria epistemológica, ética e estética?
Muitas das sociedades que revelam fragilidades nas políticas governamentais implementadas pela sua densidade multicultural, foram no passado colónias compostas por diversas etnias. Furnivall aplicou a metáfora de um mercado para exemplificar esta problemática: numa sociedade plural, grupos étnicos diferentes só se encontram nos mercados, mas estes mercados são destituídos das características que Durkheim visionou no seu conceito de solidariedade orgânica, pois encontram-se ausentes os valores partilhados que a solidariedade orgânica requer, sendo a antítese a realidade: a presença do conflito brutal e da exploração. Neste sentido, a solidariedade da qual a moralidade depende só se encontra entre os diferentes grupos étnicos quando estes abandonam o mercado e regressam a casa ou à comunidade.
Já M.G.Smith, que escreveu originalmente sobre Granada, viu a sua teoria da sociedade plural ser aplicada na análise de sociedades caribenhas coloniais e pós-coloniais. Smith estava consciente da teoria sociológica geral de Talcott Parsons, que pressupunha quatro instituições que se suportavam mutualmente. Contudo, Smith argumenta que nas Caraíbas coexistem diversos grupos étnicos, tendo cada qual um conjunto completo de instituições sociais. Posto isto, ele vê os vários grupos étnicos como contendo cada qual o seu sistema familiar, um modelo económico próprio, uma linguagem e uma religião, mas não um sistema político autónomo: no domínio da política, estes grupos eram controlados por uma unidade hegemónica, que nas sociedades coloniais eram as potências do Velho Mundo. Uma unidade hegemónica tem como mandamento fazer tabula rasa das diferenças e das identidades culturais. Por exemplo, o economicismo moderno agrega tudo ao redor da produção, do mercado, do lucro e do consumo, pelo que a economia passa a ser a porta de entrada de uma cidadania restrita à capacidade de produzir, comprar e consumir, e estes gestos tornam-se nos vetores de uma cultura economicamente globalizada que é limitante e empobrecida.
Com a retirada do poder colonial surgem problemas sociais complexos, pois que os segmentos plurais de uma sociedade colonial operam de acordo com uma dinâmica diferente, que só superficialmente foi abafada pela unidade hegemónica que a sujeitou aos seus caprichos. O sentido identitário acaba sempre por exceder a mais violenta anulação da alteridade, pelo que esses problemas ficam adormecidos; ou se o seu termo esteve próximo na História da humanidade, foi porque se cometeram genocídios.
References:
Furnivall, J. S. (1939) Netherlands India. Cambridge University Press, Cambridge.
Smith, M. G. (1965) The Plural Society in the British West Indies. University of California Press, Berkeley and Los Angeles.