Crioulização

De um modo geral, a palavra Crioulo e o conceito de crioulização têm sido aplicados em múltiplos contextos, mas de modo deveras inconsistente.

A palavra ‘crioulo’ tem como origem etimológica o verbo ‘criar’, sendo que provém muito possivelmente da palavra latina creara. O uso histórico mais comum da palavra foi o vocábulo espanhol criollo, que servia para qualificar os filhos dos colonizadores espanhóis nascidos nas Caraíbas. Subsequentemente, os franceses transformaram a palavra em créole.

Inicialmente o uso do termo implicava uma definição pautada pela exclusão racial, uma vez que era confinado apenas aos colonizadores brancos que chegavam às terras indígenas, mas este pressuposto foi desafiado já no início do século XVIII, dado que já nesse tempo a palavra se referia também à população indígena e outros imigrantes que tinham adquirido os costumes, a cultura e a sensibilidade natural da metrópole. A forma principal de aculturação consistia na adaptação das línguas “superiores”, o francês, espanhol, inglês, alemão e português, mas esta adaptação residiu mais numa fusão dessas línguas com os idiomas autóctones, o que contribuiu para a formação de várias línguas crioulas. As línguas crioulas diferem do pidgin: o pidgin corresponde aos primeiros estádios de aquisição espontânea da língua do grupo socialmente dominante pelos falantes de outras línguas, pelo que acaba por ser uma linguagem subsidiária de recurso, com um léxico e uma morfologia bem mais reduzidos, não podendo por isso, funcionar como língua materna; a língua crioula é detentora de um léxico complexo e acaba por constituir uma língua materna.

O termo “Crioulo” tem servido para adjetivar a música (jazz especialmente), variados tipos danças, de cozinhas, estilos arquitetónicos, literários e artísticos. Mais recentemente, os antropólogos sociais e culturais e os sociólogos têm defendido que o conceito de crioulização merece ser utilizado num sentido muito amplificado, e segundo esta perspetiva, o conceito deveria ser aplicado a todos os fenómenos de fertilização intercultural que acontecem entre as diferentes culturas.

Enquanto comportamento orientado por um maior grau de intencionalidade do agente, a crioulização consiste na seleção de elementos particulares da cultura de origem ou de partida de um indivíduo, pelo que estes elementos acabam por adquirir um sentido diferente (muitas vezes impensável) por serem mesclados com os elementos culturais que pertencem à cultura de chegada. Normalmente associam-se os conceitos de hibridismo, sincretismo, cosmopolitismo, transnacionalismo e interculturalidade ao conceito de crioulização, apesar da nuance específica que apresenta, especialmente nas possibilidades de criatividade e invenção cultural. Distingue-se a crioulização da indigenização, que consiste na revitalização da autenticidade de formas culturais locais; da homogeneização, que consiste na instauração de uma força cultural dominante que suprime ao máximo os interstícios e singularidades culturais; do multiculturalismo, onde as diversas formas culturais persistem como que formando um mosaico, apesar da probabilidade de diálogo entre os seus núcleos.

A compreensão contemporânea da crioulização tem sido assinalada no trabalho do teórico cultural Edouard Glissant, que questiona se devemos favorecer uma identidade que não seria a projeção de uma raiz única, mas sim um rizoma, uma raiz com uma multiplicidade de extensões e direções. Igualmente importante é o trabalho do antropólogo sueco Ulf Hannerz, que ao sugerir a ecúmena global aponta para a crioulização do mundo, fenómeno este que acaba por se revelar positivo, entendido como contribuindo para a latente possibilidade da criação de narrativas da dita periferia, o que potencializa uma maior afinidade entre as culturas que compõem o “centro” e a “periferia”.

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References:

Glissant, E. (s.a.) Creolization du monde. In: Ruano-Borbalon (Ed.), L’Identite, le groupe, la societe. Sciences Humaines Editions, Auxerre.

Hannerz, U. (1996) Cultural Complexity: Studies in the Social Organization of Meaning. Columbia University Press, New York.

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