Objetividade

A questão epistemológica da possibilidade de uma objetividade pura na metodologia das ciências sociais ou ciências naturais possui uma pesadíssima carga histórica. Mas fora das disputas intelectuais, o próprio quotidiano está impregnado de indagações de matriz semelhante, e que se colocam em interrogações que abordam a objetividade de um juiz em dado processo judicial, ou a parcialidade de um artigo de opinião como no jornal Público, etc. Ao analisarmos este tipo de discursos, apercebemo-nos da tensão inerente à noção de objetividade, porque uma dada afirmação como, a título de exemplo, “Cavaco Silva foi um péssimo presidente”, pode ser considerada objetiva se suportada por dados empíricos, ou subjetiva caso não tenha esse mesmo apoio, sendo que neste último caso é mais um juízo de valor destituído de autoridade. Sendo que se pode determinar a objetividade de uma proposição, não é despiciendo tratar a questão da objetividade do caráter de um indivíduo: um indivíduo objetivo é neutro, justo, e respeita a importância da evidência e do argumento.

 

Na literatura produzida sobre a filosofia e metodologia das ciências sociais, encontram-se estes diversos sentidos do termo objetividade:

 

  • Um sentido absoluto ou ontológico que reflete a crença no realismo metafísico. Neste contexto, por objetividade entende-se a ideia de uma realidade existente e independente da perceção humana.
  • Um sentido crítico e intersubjetivo que associa a objetividade com os aspetos particulares do processo de investigação, mais especificamente, a habilidade de se alcançar o consenso numa determinada disciplina especializada por intermédio do diálogo, do debate e do argumento bem fundamentado.
  • Um sentido mecânico no qual a objetividade conota a aceitação de regras e procedimentos que restringem a idiossincrasia e o juízo de valor, como as normas burocráticas de uma emprega.
  • Um sentido político e moral no qual a objetividade significa a devoção à justiça e a imparcialidade, em detrimento do interesse próprio.

 

O conceito de objetividade também é normalmente associado com outras três noções igualmente importantes e indissociáveis na metodologia das ciências sociais: neutralidade, objetivismo e objetificação.

 

 

  • Por neutralidade entende-se a cisão da prática científica e a ideologia política e valores individuais. Estes valores não devem interferir no exercício científico, pois aos cientistas pede-se a distância e alheamento face aos valores sociais e políticos.
  • O objetivismo é um termo que designa a configuração das crenças acerca da natureza do conhecimento (epistemologia fundacionalista), da natureza da realidade (realismo metafísico), da possibilidade de se conhecer a realidade ou de se justificar efetivamente o conhecimento (positivismo lógico e epistemologia representacionalista), do papel do cientista (axiologia do desinteresse), e da crença derivada do Iluminismo de que o poder da ciência em moldar a sociedade deve permanecer inquestionado.
  • A objetificação é a crença na relação epistemológica e metafísica particular do sujeito com o objeto, que se caracteriza pelo desprendimento do sujeito para com o objeto, o que possibilitará o controlo do objeto.

 

Quando a noção de objetividade é criticada nas ciências sociais, é importante compreender qual dos sentidos acima apresentados é alvo dessa mesma crítica, visto que é possível endossar a objetividade no sentido em que um cientista (social ou não) espera que a investigação que tem em conjunto com outros cientistas, não seja constantemente sujeita a critérios que justifiquem mais o interesse próprio do que o progresso da ciência, e ainda no sentido em que se rejeita uma perceção objetiva e pura da realidade, isto é, de uma realidade exterior. Outras críticas expressam o desprezo pelo realismo metafísico, quer dizer, a crença de que se podem conhecer as coisas em si, e a possibilidade do descomprometimento do cientista social.

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References:

  • Berlin, Isaiah (1997), The Sense of Reality, Pimlico, London.
  • Berlin, Isaiah (1997), The Proper History of Mankind: An Anthology of Essays, Chatto & Windus, London.
  • Bernstein, R. J. (1983) Beyond Objectivism and Relativism: Science, Hermeneutics, and Praxis, Philadelphia, University of Pennsylvania Press.
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