Por norma, quando o conceito de abolicionismo é utilizado por cientistas sociais, é acima de tudo numa perspetiva criminológica que rejeita as respostas penais e punitivas estipuladas por lei aos problemas criminais, em favor da resolução de litígios por força da justiça social. Num sentido mais amplo e histórico, o conceito refere-se à abolição das instituições do Estado que com o avançar dos tempos se revelaram incapazes de acompanhar o progresso social. Não obstante, os movimentos abolicionistas disseminaram-se num âmbito mais vasto, como nas lutas contra a escravatura, a tortura, a prostituição, a pena capital e a prisão. Neste artigo será atentado somente o significado sociológico.
O termo abolicionismo, tal como é compreendido atualmente em criminologia, deriva a sua significação do movimento norte-americano que na década de 70 do século XX se insurgiu contra a punição penal. Este movimento viu neste combate a continuação histórica da luta contra a escravatura, uma vez que no seu entendimento, as funções sociais da prisão eram análogas às da escravatura, tal como se desenvolveu até finais do século XIX: disciplinar a população negra, que se encontrava ao “abrigo” das classes altas. Enquanto na versão americana o abolicionismo teve como inspiração uma forma de “humanismo religioso”, na Europa o abolicionismo nasceu das considerações das fragilidades do sistema criminal, e era advogado por “sindicatos” constituídos por prisioneiros e intelectuais radicais que pretendiam reformar o sistema criminal. Já o abolicionismo académico teve as suas raízes no interacionismo simbólico e no construcionismo social, como uma forte ênfase na disciplina de uma sociedade tornada cárcere.
Contrariamente ao significado literal do verbo abolir, o abolicionismo não é concebido em termos absolutos, pois tal resolução conceptual resultaria na extinção das instituições de controlo social como as forças policiais ou os tribunais. O que se assinala na teoria, é que o crime não deve ser marginalizado face aos outros problemas sociais, uma vez que a exclusão social raramente soluciona os problemas de índole criminal. Isto porque o próprio sistema penal é interpretado como um problema social, pelo que a penalidade, enquanto um conjunto racional não isento de deficiências, não deve ser aceite como metáfora incólume para justiça.
O movimento abolicionista conheceu dois momentos, o negativo e o positivo: o negativo implica uma crítica das lacunas do sistema penal no cumprimento da justiça social, e pretendem prevenir e controlar os comportamentos criminais através de meios sociais e não penais; o positivo assegura uma distinção entre abolicionismo como um modo de repensar o crime e o castigo, e como um modo de agir criticamente na direção da crítica penal.
Este movimento conheceu dois momentos, um negativo e outro positivo: ao negativo subjaz a crítica das lacunas do sistema penal no cumprimento da justiça social, sendo que a prevenção e controlo dos comportamentos criminais seria dada em termos de justiça social e não de castigo penal; a fase positiva sublinha a distinção entre abolicionismo enquanto um modo de repensar o crime, e o abolicionismo como um modo de agir criticamente na direção da crítica penal.
Por norma há um consenso entre os abolicionistas, na medida em questionam o calibre ético de um Estado que inflige castigos intencional e sistematicamente aos grupos marginais, sem que essas medidas revelem eficácia ou apresentem casos de sucesso que se possam comprovar empiricamente.
No debate académico contemporâneo o abolicionismo é discutido sobretudo como uma entre as várias criminologias críticas do século XXI. Muitas das perspetivas abolicionistas foram integradas nas outras correntes criminológicas. O mérito principal deste movimento está intrinsecamente ligado à visão renovadora que oferece sobre o crime, sendo que a sua epistemologia oferece uma base excelente para a pesquisa empírica sobre o controlo penal e social.
References:
Braithwaite, J. (1989), Crime, Shame and Reintegration, Cambridge, Cambridge University Press.
Mathiesen, T. (1974), The Politics of Abolition, Oxford, Martin Robertson.