Inícios do Modernismo português – geração de Orpheu
O primeiro Modernismo português caracteriza-se pelo seu tom de inconformismo com as tendências estéticas e ideológicas passadas e pelo desejo de aderir a ideias futuristas, que potenciassem uma maior visibilidade do país. Surge em inícios do século XX, entre 1912 e 1917, e tem o seu expoente no grupo de Orpheu, precursor na adoção de uma estética de oposição ao legado cultural do realismo, naturalismo, do neo romantismo e do lusitanismo saudosista
Este grupo é composto por nomes como Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Amadeo de Sousa-Cardoso, José Pacheco e António Ferro. Em comum, todos tinham o inconformismo, o desejo de cortar com o passado, a irreverência e a crítica espontânea à sociedade burguesa da altura.
Propunham uma arte cosmopolita, influenciada pelas correntes que proliferavam por toda a Europa, numa altura em que se vivia um momento conturbado com o eclodir da primeira Grande Guerra e da Revolução Russa.Para enfrentar os tempos de crise, cultivava-se a diferença nas formas de fazer arte. Liberdade estética, renovação e movimento – eis o que era proposto.
Modernismo português: movimento de rutura ou de continuidade?
As preocupações vanguardistas do Modernismo português distinguem-se em duas dimensões: por um lado, a vontade de desfazer a tradição, os símbolos e imagens de uma memória cultural coletiva; por outro lado, o desejo de ultrapassar o passado, o presente e de alcançar o futuro. Por um lado, o antiacademismo, a oposição aos museus e bibliotecas (que mais não seriam do que depósitos de cultura), a crítica ao gosto convencional e sentimentalista burguês; por outro, a glorificação da intensidade de viver, a exaltação da ciência, da tecnologia, a apologia do futuro.
O discurso modernista é o discurso da contestação, marcado, entre outros, pela infração das proposições, pela manipulação óbvia e forçada do vocabulário, pela forma livre dos poemas, pela ilogicidade e pela destruição de alguns conceitos e proposta de novos. O real e a ficção já não possuem fronteiras, o absurdo é recorrente e a inovação semântica e vocabular uma constante. O discurso modernista ousa ousar.
Apesar do seu tom provocatório e da avidez pela renovação, o Modernismo português não deve ser tido como um ponto de rutura absoluta. Para o compreender, os autores devem ser localizados num tempo e num espaço pois, de acordo com Mikhail Bakhtine (apud Vila Maior, 1994), todo o enunciado é um eco de enunciados anteriores. É fundamental conhecer o ambiente de crise finissecular que precedeu o Modernismo, altura em que se destacavam movimentos estéticos como o Impressionismo e o Simbolismo (fortemente influenciados pela cultura europeia) ou o Neogarretismo e o Saudosismo, intimamente ligados à cultura e literatura portuguesas. A este propósito, Dionísio Vila Maior (1994) adianta que o código ideológico do primeiro Modernismo português, nas suas práticas estético-literárias, se consuma de forma muito nacional: a inspiração advinda da alma literária portuguesa. Já Fernando Pessoa dizia, numa alusão ao decadentismo do fim de século, que a arte moderna deve ou cultivar o sentimento decadente ou fazer vibrar a beleza do contemporâneo (apud Vila Maior, 1994).
A revista Orpheu
A revista Orpheu foi ideia de uma geração de artistas que partilhavam o mesmo quadro de referências, aplicando-as em manifestações culturais coletivas (ainda que houvesse espaço para as particularidades de cada um). As condições para o seu lançamento estavam lançadas quando:
- O grupo de amigos se encontra regularmente nos cafés da baixa lisboeta. Em conversa, surge a vontade de gerar controvérsia na sociedade portuguesa.
- Mário Sá-Carneiro escreve, em 1913, os primeiros poemas.
- O poema de Fernando Pessoa, Pauis, é publicado na revista A Renascença.
- Sá-Carneiro e Amadeo de Sousa-Cardoso regressam de França e informam os seus companheiros das correntes estéticas que por lá proliferam.
- Luís de Montalvor regressa do Brasil e propõe a ideia de lançar uma revista literária trimestral.
- Fernando Pessoa afasta-se do Saudosismo.
A revista Orpheu foi um dos espaços do Modernismo português por excelência: os órficos, marcados pela angústia e pela inquietação, inauguram o Modernismo português e recebem a vanguarda em Portugal. Apesar da receção negativa e de ter visto apenas dois números publicados (Março e Junho de 1915), a revista foi um momento de contestação de regras e padrões estéticos que integrará para sempre a memória cultural portuguesa. Ode Triunfal, Ode Marítima e Opiário do heterónimo Álvaro de Campos, Chuva Oblíqua de Fernando Pessoa ou Frizos, de Almada Negreiros, foram alguns dos poemas publicados em Orpheu.
References:
VILA MAIOR, Dionísio (1994), Introdução ao Modernismo, Coimbra, Livraria Almedina.