Por folclore entende-se um corpo de materiais e a disciplina académica dedicada precisamente a esse conjunto, que abrange tanto a cultura material como a cultura imaterial. Graças ao dramático aumento do nacionalismo romântico na primeira metade do século XIX, esta disciplina tornou-se num instrumento de síntese e construção mnemónica daquilo que seria o volkgeist de uma nação, isto é, o “espírito” do carácter nacional de determinado país, que em inúmeros momentos da história europeia foi traçado até raízes longínquas no tempo.
Do mesmo modo que a antropologia alcançou a maturidade a estudar o outro “exótico”, também o folclore alcançou a maturidade enquanto estudo doméstico do exótico, encontrável no interior de um Estado-Nação nas zonas rurais. O movimento, depois do impulso europeu, deslocou-se notavelmente para a Índia, o Japão e a Coreia, e para o resto do mundo em geral. Mas o estudo do folclore reclama também essa genealogia institucionalizada onde se encontra a antropologia, devido à adesão às doutrinas evolucionistas, epistemologia que a disciplina folclórica recusou com prolongada demora, e que inverteu, uma vez que chegou a categorizar o manancial folclórico de cultura material e imaterial como o signo de um glorioso passado histórico, a partir do qual o presente degenerou. A afinidade entre as duas disciplinas persistiu, pois consoante o estudo do folclore se distanciou da pura filologia em direção ao contexto social, abraçou uma epistemologia comum, que passa por compreender essas precisas expressões do contexto social em relação à estrutura social, o que é um dos princípios da antropologia.
Nos regimes onde o totalitarismo vigorou, como a Alemanha Nazi, o folclore foi manipulado de forma a ser construída uma identidade nacional que advogava a pureza racial com toda a “autoridade científica” que compunha a disciplina. Mesmo em Portugal, sob a égide do Estado Novo, o Secretariado Nacional de Propaganda aludiu nas suas campanhas a um Portugal rural onde se encontrariam as raízes do povo lusitano, embelezando um meio rural através por recurso à tradição folclórica – que é contraposto à cidade corrompida -, mas onde há afinal uma miséria desesperante estrategicamente ocultada.
A origem filológica e a direção académica da disciplina foram duas forças que enfatizaram fortemente a taxinomia dos objetos culturais, de modo a separar textos históricos e textos mitológicos, o que prestava um maior serviço às políticas nacionalistas. Mas conforme os folcloristas foram abraçando um projeto comparativo a uma escala mais extensa, o trabalho politicamente motivado reduziu-se.
Mesmo os próprios objetos deixaram de ser entendidos como uma “natureza morta” graças aos desenvolvimentos, a título de exemplo, na teoria literária, uma vez que se começou a considerar o contexto social das tradições orais, inclusive a recepção por parte do público. Com este novo horizonte, os folcloristas aperceberam-se de toda a negociação indissociável que o público tem com o texto. Perfeita prova disto é o estudo do folclore na versão americana, onde a disciplina teve inegável importância ao traçar a raiz europeia dos americanos nativos, ao mesmo tempo que ilustrou a sua singularidade. No estudo da estética indígena, favoreceu-se uma metodologia baseada na semiótica, que libertou o corpo constituinte do folclore nativo da rigidez taxonómica: eis que a ambiguidade e o jogo se adicionam às qualidades formais do texto.
Nos últimos desenvolvimentos da disciplina, a cultura material tornou-se, por assim dizer, no seu centro de gravidade, especialmente no que toca ao papel dos especialistas em folclore nos Museus, uma vez que estes iluminaram o uso, os princípios estéticos e o processo de transmissão do conhecimento técnico relativamente aos objetos, indo além da mera promoção ideológica que alimenta as políticas museológicas.
References:
- Dundes, A. (1980), Interpreting Folklore, Bloomington, Indiana University Press.