Émile Durkheim, pai fundador da Sociologia e uma das grandes autoridades intelectuais da sua época, cunhou a ideia de que o estudo da solidariedade social pertence ao domínio sociológico. (Durkheim, 1999 [1930]: 34) É através deste laço que os indivíduos se unem e identificam com os grupos e as sociedades onde se inserem.
Em Da Divisão do Trabalho Social, o sociólogo, não indiferente ao clima de evolucionismo social que iluminava os círculos intelectuais em inícios do século XX, compôs uma dicotomia à medida: diferentes períodos históricos revelam diferentes modos de coesão social (laços sociais e crenças) entre os grupos de uma mesma sociedade.
Refira-se ainda, o impacto da metáfora biológica função no pensamento do autor, que afirmou que as sociedades humanas são exatamente como que organismos, onde inicialmente cada célula é idêntica em função e estrutura, mas que à medida que se vai desenvolvendo o organismo, as células separam-se em grupos diferentes e formam orgãos, cada qual especializando-se numa função específica. Pense-se na evolução do corpo humano. Apesar da complexificação do organismo, cada grupo específico depende de outro: há uma interdependência entre estes, e é deste modo que a harmonia do todo orgânico é assegurada. Pense-se em termos anatómicos o corpo humano, onde basta que um órgão cesse de funcionar, para o balanço do sistema ser afectado.
Ora, na óptica durkheimiana, as sociedades evoluíram do mesmo modo, porque inicialmente eram mais homogéneas, e consoante foram progredindo, a divisão social do trabalho tornou-se mais intricada. Por exemplo, numa sociedade primitiva um clã reunia em si todas as funções indispensáveis à sobrevivência, e a coesão social, a “consciência colectiva” estava bem sedimentada “porque um certo número de estados de consciência são comuns a todos os membros numa sociedade.” (Durkheim, op. cit.: 83) Em contraste, como uma sociedade orgânica é um organismo complexo, origina-se uma divisão social que não se consolida somente no plano económico: esta divisão é efectivamente política, administrativa, judiciária, artística e científica. Num exemplo, o sociólogo evoca o caso da filosofia, que outrora era uma ciência única, mas que fragmentou-se numa multidão de disciplinas especiais, cada uma das quais com o seu método e objeto de curiosidade. Uma sociedade regida pela solidariedade orgânica é um locus de diversidade religiosa e étnica, e à luz deste mosaico cultural, a “consciência colectiva” encontra muralhas erguidas contra o seu efeito.
References:
- Durkheim, Émile (1999 [1930]), Da Divisão do Trabalho Social, São Paulo, Martins Fonte.