Genocídio

Genocídio

Em matérias de crimes praticados durante o século XX, o genocídio figura como a principal atrocidade nessa “era dos extremos” distante, mas ao mesmo tempo tão próxima. Foi neste século que o termo foi cunhado pela primeira vez, sendo posteriormente definido legalmente e criminalizado. A comunidade internacional prontamente instituiu o compromisso de assegurar a protecção das etnias ameaçadas, e executar a acusação e pena dos responsáveis pelas mortes em massa, conhecendo o sucesso num certo número de casos de alta exposição, entre outros de menor relevo.

De maior importância, o século XX foi o período que conheceu o exemplo arquetípico do genocídio nos tempos modernos, ou, por outras palavras, o Holocausto, definido como o mais hediondo crime que a humanidade jamais conheceu. Em grande parte dos relatos, é também o século exposto ao maior número de vítimas do genocídio, atendendo a história conhecida da humanidade.

 

História do Conceito

O termo genocídio foi cunhado por Raphael Lemkin, um advogado polaco com origem judaica, em 1944. Foi legalmente definido na Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio em 1948, antecedida pela resolução da Assembleia Geral em que se proclamou que o genocídio era a privação do direito à existência de um grupo do mesmo modo como o homicídio era a negação do direito a existir de um indivíduo.

Nesta Convenção das Nações Unidas, o parecer foi delineado de forma a constituir uma resposta firme contra a exterminação dos judeus, praticada pelos Nazis, e baseado na experiência extraída dos Julgamentos de Nuremberga, que se tornaram na pedra basilar em matéria de julgamentos contra os perpetradores de genocídios. Todavia, a Convenção não assumiu um papel central no direito e na política internacional até ao advento da década de 70, particularmente após o termo da Guerra Fria, quando os extermínios em massa praticados no Cambodja, mais tarde na América Latina e na antiga Jugoslávia, e também no Ruanda, alertaram a comunidade internacional sobre a contínua ameaça global das práticas de genocídio.

A Convenção declarou que o genocídio representa os actos que são praticados com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Tais actos, como estabelecidos na Convenção, incluem: o assassinato dos membros dos grupos em questão; o prejuízo físico ou mental; impingir condições de vida cuja intenção é terminar na decadência física total ou parcial do grupo; a imposição de medidas que previnam a procriação por parte desses grupos; a transferência forçosa de crianças de um grupo para outro grupo.

A definição estipulada pela Convenção é notável devido a dois aspectos fundamentais: em primeiro lugar, não implica que o genocídio seja a destruição total de um grupo inteiro; em segundo lugar, alberga todo um conjunto de práticas paralelas ao extermínio em massa. Contudo, a definição limitou o genocídio a estes grupos e acções específicas, excluindo os grupos delimitados por classe e pertença política. Como tal, a definição revelar-se-ia insustentável subsequentemente, considerando a adopção da Declaração Universal dos Direitos Humanos no mesmo ano. De facto, o extermínio em massa do campesinato na União Soviética de Estaline, e o genocídio praticado pelo Khmer Rouge no Cambodja, contam-se correntemente como genocídios segundo o prisma de diversos autores.

 

Considerações Teóricas

 As limitações da Convenção iniciaram um debate ainda em permanência sobre a definição do genocídio, e actualmente, os termos extermínio em massa, atrocidades em massa, democídio, ou assassinatos praticados pelo Governo, e a limpeza étnica, encontram-se todos em uso. Uma grande parte destes conceitos amplia o genocídio para além dos horizontes imediatos convencionados nos grupos “privilegiados” pelas Nações Unidas. Embora o genocídio seja claramente separado da guerra, particularmente devido à sua ilegitimidade, que foi consagrada na Convenção, na legislação penal nacional, e evidenciada pelo secretismo e cumplicidade na prossecução dos crimes de genocídio, um vasto conjunto de autores estabeleceram certos actos de guerra como sendo genocídio. O escopo da definição é decisivo por dois motivos: a estimativa das vítimas, e a história do genocídio.

O genocídio envolve três elementos distintos, que fornecem a grelha de análise para todas as explicações do fenómeno, isto é, sobretudo quais os pretextos para homens comuns, e raramente mulheres comuns, engajarem no extermínio indiscriminado de homens, mulheres e crianças, que muito possivelmente poderiam ter sido vizinhos dos primeiros. Estes elementos são: a identificação de um grupo social como um inimigo contra o qual é justificado usar e abusar da violência física sistematicamente; a intenção de destruir o poder real ou imputado de um grupo social; a mobilização da violência por intermédio do assassínio entre outras medidas. Não raras vezes, o genocídio está associado a guerras, crises sociais, e mudanças sociais ameaçadoras, como a ruptura total da ordem social. Embora o genocídio e o extermínio em massa no século XX tenham sucedido em períodos de tempo comparavelmente pequenos, o desenvolvimento destes três elementos distintos e o carácter que assume podem ser claramente identificados.

Foram propostas igualmente três abordagens explanatórias, que se revelaram exacerbadamente importantes: o genocídio enquanto produto da modernidade; a perspectiva estrutural e psicológica, cujo busílis passa pelos factores sociais, culturais e políticos; e, finalmente, uma perspectiva estratégica, segundo a qual os objectivos e estratégias dos altos líderes políticos e militares são decisivas na iminência do genocídio.

O elo entre a modernidade e o genocídio é estabelecido pelas características-chave da modernidade, como as novas tecnologias de guerra, as novas técnicas administrativas que enfatizam o poder da vigilância do Estado, e novas ideologias que categorizam as pessoas segundo uma lógica da exclusão. Por fim, é o desenvolvimento do poder do Estado moderno que facilita o genocídio, tornando-o num elemento indubitável da Modernidade.

Por contraste, a abordagem estrutural e psicológica concentra-se num número prévio de factores socioculturais, que, todavia, não são nem causas suficientes ou universais para a ocorrência do genocídio: entre estes factores encontramos o fosso profundo entre grupos sociais e étnicos, existindo uma óbvia estrutura de dominação e imposição de desigualdades.

Já a perspectiva estratégica difere das primeiras por centrar-se sobretudo em factores situacionais e processuais, assim como nas condições proporcionadas pela ideologia política. Deste modo, o genocídio é uma poderosíssima ferramenta política e militar para os grandes líderes, elites, e seus iminentes seguidores, na demanda por objectivos estratégicos.

 

Finalizando

A Convenção das Nações Unidas obriga a comunidade internacional a prevenir e impedir o genocídio, que pode passar pela intervenção em cenários de extermínios em massa. Ambas as possibilidades requerem a observação de situações críticas e a identificação de sinais alarmantes. A prevenção e a intervenção passam pela intervenção militar internacional, as sanções económicas, a mobilização de uma força de paz internacional, o desarmamento dos grupos envolvidos, e a provisão de assistência humanitária.

 

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References:

Bauman, Z. (1989) Modernity and the Holocaust. Cornell University Press, Ithaca, NY.

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