Holismo

Introdução ao conceito filosófico de Holismo

Uma propriedade é anatómica caso uma coisa possua essa mesma propriedade: por exemplo, a propriedade de Miguel ser irmão depende metafisicamente de um outro ser seu irmão. Uma propriedade é atómica se poder ser instanciada por uma só coisa: assim, as propriedades expressadas em predicados como “é uma mesa” ou “pesa 15 quilos” são atómicas. Uma propriedade é holística caso a coisa que tenha essa propriedade, resulta na partilha dessa propriedade pela subdivisão da coisa: a propriedade de um número natural. Apesar dos filósofos duvidarem da possibilidade de um objeto possuir esta propriedade, nenhum pode negar coerentemente que se existem alguns números, então outros se devem seguir: nenhum número é natural a não ser que haja um número natural se siga ao primeiro; e nenhum número é o seu próprio sucessor.

Na filosofia da linguagem e da mente contemporâneas, o tópico principal que concerne ao holismo prende-se com a seguinte questão: se determinado símbolo pertencer à linguagem x, se tiver um objeto intencional, se expressar uma proposição, e tiver um referente, serão estas propriedades atómicas? A visão filosófica aceite é que estas propriedades são anatómicas, e não atómicas.

 Tal interrogação deriva de duas grandes tradições na filosofia da linguagem:

  • a tradição atomista procede dos empiristas britânicos, por intermédios dos pragmatistas Charles Peirce e William James, e culmina com o trabalho clássico dos positivistas lógicos do Círculo de Viena. Os representantes contemporâneos desta tradição são behaviouristas como J.B.Watson e B.F.Skinner, e semiólogos como Jerry Fodor. Para os seguidores desta tradição, as propriedades semânticas de um símbolo são determinadas somente pela sua relação com coisas que não pertencem ao mundo linguístico.
  • a tradição estruturalista, cujos praticantes defendem que as propriedades semânticas de um símbolo são em parte determinadas pelo seu papel na linguagem. Se o que um símbolo significa é determinado pelo seu papel na linguagem, então a propriedade de ser um símbolo é anatómica. Esta segunda tradição é constituída por uma legião de seguidores (uns quantos já falecidos): Quine, Davidson, Daniel Dennet, Hilary Putnam, Richard Rorty.

 

Na esteira desta segunda tradição, Quine defendeu que não tem sentido distinguir declarações analíticas que são verdadeiras em virtude de um significado em si, de declarações sintéticas, cujas verdades dependem do contexto. Este argumento serve de premissa a praticamente todas as defesas do holismo: se o significado de um símbolo é determinado pelo seu papel na linguagem e a distinção analítica/sintética é frágil, então não existe suporte para uma distinção que determina quais os aspetos do papel linguístico de uma palavra que são relevantes na determinação do seu significado, e quais o não são, porque a palavra é sempre contextual. Por outras palavras, o significado de uma palavra é uma função que demonstra o papel linguístico desta num sistema de crenças.

 

Considerem-se as implicações de tal holismo:

  • O Miguel pensa que Jorge Sampaio possui um cão;
  • O Rui pensa que Jorge Sampaio não possui um cão;
  • Por conseguinte, Miguel está disposto a aceitar algumas inferências sobre o conceito de cão que Rui não estará disposto a aceitar;
  • Mas a teoria holística implica que cão significa para Miguel algo diferente do que significa para Rui, pois essa significação depende do sistema de crenças de Miguel e Rui sobre cães.
  • Segue-se que Miguel e Rui intendem a dizer coisas diferentes quando falam de cães.

Esta linha de argumentos leva a afirmações surpreendentes que as linguagens não podem ser traduzidas (Quine, Saussure); que pode não haver sentido em questionar o sentido de um texto (Hilary Putnam, Jacques Derrida); que as teorias científicas que se diferenciam nos seus postulados básicos são empiricamente incomensuráveis (Paul Feyerabend; Thomas Kuhn). Adicionalmente, o holismo semântico parece implicar que não pode haver uma ciência dos fenómenos mentais, pois se este holismo semântico é verdadeiro, então duas pessoas não podem ter as mesmas crenças ou desejos: mas então é impossível duas pessoas ser sujeitas a uma mesma lei psicológica.

As respostas a este dilema passam pela tentação de se negarem estados mentais, como Daniel Dennett e Hilary Putnam. Outros filósofos tentaram desenvolver um holismo mitigado, de acordo com o qual a semelhança entre significados ou conteúdos mentais substitui a noção de identidade semântica que apela à distinção analítica/sintética. Esta última abordagem tem sido popular entre cientistas cognitivos.

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References:

Fodor, J.A and LePore E. (1992) Holism: A Shopper’s Guide, Oxford, Blackwell.

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