Doença de Lyme

Definição e breve descrição de doença de Lyme, incluindo sinais clínicos e tratamento, baseada na espécie que mais afeta em medicina veterinária: o cão.

A Doença de Lyme é uma doença zoonótica transmitida pela picada de carraças, cujo agente causal é uma espiroqueta. Foi descoberta nos Estados Unidos da América na década de 70 na cidade de Lyme, estado do Connecticut, e arredores devido a diversos casos do que se pensava ser artrite reumatóide juvenil. Está associada a casos de poliartrite em cães, bovinos, equinos e no Homem (Sherding, 2006).

Etiologia

Estão na origem desta doença pelo menos 6 subespécies de espiroquetas do complexo Borrelia burgdorferi sensu latu. Este agente, ao contrário de outras espiroquetas, não sobrevive no ambiente (Greene & Straubinger, 2006). Diversos animais selvagens incluindo mamíferos (Pascucci, Di Domenico, Dall’Acqua, Sozio & Cammà, 2015), répteis (Vitorino et al., 2008) e aves (Norte et al., 2015) servem de hospedeiros reservatório, perpetuando a doença e infetando carraças do género Ixodes que, atuando como vetor, a transmitem a outros vertebrados.

Epidemiologia

A prevalência desta doença é maior em regiões temperadas nas quais o clima é mais fresco (Greene & Straubinger, 2006). Estão documentados casos na América do Norte, Europa e Ásia, existindo também relatos não confirmados na Austrália, América do Sul e África (Greene & Straubinger, 2006)).
Nos Estados Unidos da América, a prevalência é elevada nos estados costeiros do nordeste, no Wisconsin e Minnesota, com 50 a 90% de cães seropositivos nas zonas endémicas (Sherding, 2006). Dois estudos realizados em Portugal apontam para uma baixa prevalência de cães seropositivos (Cardoso, Mendão & Madeira de Carvalho, 2012; Maia et al., 2015).
Em humanos, foram registados nos anos de 2000 e 2007 15 e 14 casos, respetivamente (Sousa Pinto, Bordalo, Antunes, Ramos do Nascimento & Olivença Vicêncio, 2015), sendo esta doença de declaração obrigatória. Entre 2010 e 2013, foram comunicados um total de 24 casos em Portugal (Sousa Pinto el al., 2015). No entanto, pensa-se que esta doença seja subdiagnosticada, tanto em medicina veterinária como em medicina humana.

Patogenia

Para que a transmissão ocorra são necessárias pelo menos 48 horas de ligação entre o vetor, a carraça, e o hospedeiro vertebrado. Neste período, as espiroquetas atravessam o epitélio intestinal da carraça, invadem a hemolinfa e atingem as glândulas salivares, tornando a saliva infetante para o hospedeiro. Após infeção, a espiroqueta migra através do tecido conjuntivo e a resposta inflamatória do hospedeiro leva ao desenvolvimento de sinais clínicos (Goldstein, 2010). Tal ocorre em apenas cerca de 5% dos cães infetados e depende de fatores como a idade, a resposta imunitária, a estirpe de Borrelia e o número de carraças (Sherding, 2006).

Sinais clínicos

A principal consequência desta doença no cão é uma poliartrite com início nas articulações mais próximas ao local da picada. Há claudicação que pode ser acompanhada de dor e inchaço nas articulações afetadas. Outros sinais como febre, anorexia e perda de peso podem estar presentes, mas por vezes existe apenas claudicação.
Ainda que não esteja comprovada uma ligação direta com a Borrelia burgdorferi, foi também associada à doença de Lyme uma nefropatia característica com insuficiência renal aguda e progressiva, mais comum em Labradores e Golden retrievers (Greene & Straubinger, 2006). Foram ainda descritos casos de meningite, encefalite, uveíte e miocardite (Sherding, 2006).

Diagnóstico

Baseia-se nos sintomas, história de exposição a zonas de vegetação infestadas por carraças e na pesquisa de anticorpos anti-borrelia. No entanto, a presença de anticorpos comprova apenas a exposição ao agente infecioso e não que este seja a causa dos sinais clínicos apresentados (Greene & Straubinger, 2006), uma vez que outras doenças transmitidas por carraças, assim como a poliartrite imunomediada, provocam sintomas semelhantes. O diagnóstico definitivo faz-se em laboratório, através da identificação das espiroquetas por PCR (Sherding, 2006).

Tratamento

O tratamento precoce previne complicações e consiste na administração de antibióticos como a doxiciclina. Como esta é uma doença difícil de diagnosticar, por vezes recorre-se ao chamado diagnóstico terapêutico, iniciando a antibioterapia e observando a resposta do paciente ao tratamento. No entanto, mesmo uma resposta positiva ao tratamento não é suficiente para um diagnóstico definitivo, uma vez que outras doenças transmitidas por carraças respondem ao mesmo tipo de terapia (Sherding, 2006).

Prevenção

Existem duas vacinas disponíveis contra a Doença de Lyme, no entanto, nenhuma é 100% eficaz.
Aconselha-se a desparasitação externa no animal de modo a combater o vetor desta doença. Aconselha-se ainda, sempre que possível, evitar zonas de vegetação contaminadas. As carraças devem ser imediatamente removidas com o auxílio de uma pinça, evitando movimentos de torção. A utilização de azeite e outros auxiliares não é recomendada, pois tal pode fazer com que a carraça regurgite para o hospedeiro, aumentando a probabilidade de infeção.

Referências bibliográficas

Cardoso, L., Mendão, C., & Madeira de Carvalho, L. (2012). Prevalence of Dirofilaria immitis, Ehrlichia canis, Borrelia burgdorferi sensu lato, Anaplasma spp. and Leishmania infantum in apparently healthy and CVBD-suspect dogs in Portugal – a national serological study. Parasites & Vectors, 5(1), 62. http://dx.doi.org/10.1186/1756-3305-5-62

Goldstein, RE. (2010). Lyme Disease. In S. Ettinger & E. Feldman, Textbook of veterinary internal medicine (7th ed.). St. Louis, Mo.: Elsevier Saunders.

Greene, CE. & Straubinger, RK. (2006). In CE. Greene, Infectious diseases of the dog and cat (3rd ed.). St. Louis, Mo.: Saunders/Elsevier.

Maia, C., Almeida, B., Coimbra, M., Fernandes, M., Cristóvão, J., & Ramos, C. et al. (2015). Bacterial and protozoal agents of canine vector-borne diseases in the blood of domestic and stray dogs from southern Portugal. Parasites & Vectors, 8(1), 138. http://dx.doi.org/10.1186/s13071-015-0759-8

Norte, A., da Silva, L., Tenreiro, P., Felgueiras, M., Araújo, P., & Lopes, P. et al. (2015). Patterns of tick infestation and their Borrelia burgdorferi s.l. infection in wild birds in Portugal. Ticks And Tick-Borne Diseases, 6(6), 743-750. http://dx.doi.org/10.1016/j.ttbdis.2015.06.010

Pascucci, I., Di Domenico, M., Dall’Acqua, F., Sozio, G., & Cammà, C. (2015). Detection of Lyme Disease and Q Fever Agents in Wild Rodents in Central Italy. Vector-Borne And Zoonotic Diseases, 15(7), 404-411. http://dx.doi.org/10.1089/vbz.2015.1807

Sherding, RG. (2006). Borreliosis (Lyme Disease). In SJ. Birchard & RG. Saunders, Saunders manual of small animal practice (3rd ed., pp. 186-190). St. Louis, Mo.: Saunders Elsevier.

Sousa Pinto, C., Bordalo, A., Antunes, J., Ramos do Nascimento, M., & Olivença Vicêncio, P. (2015). DOENÇAS DE DECLARAÇÃO OBRIGATÓRIA 2010-2013 Volume I – Portugal (1st ed., p. 28). Lisboa: Direção-Geral da Saúde, Direção de Serviços de Informação e Análise, Divisão de Epidemiologia e Vigilância. Retrieved from http://www.dgs.pt/estatisticas-de-saude/estatisticas-de-saude/publicacoes/doencas-de-declaracao-obrigatoria-2010-2013-volume-i-pdf.aspx.

Vitorino, L., Margos, G., Feil, E., Collares-Pereira, M., Zé-Zé, L., & Kurtenbach, K. (2008). Fine-Scale Phylogeographic Structure of Borrelia lusitaniae Revealed by Multilocus Sequence Typing. Plos ONE, 3(12), e4002. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0004002

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